APL 654 O Cerco de Monsanto
Na planura que vai da cidade de Castelo Branco ao rio Erges e da serra da Gardunha ao rio Tejo, destaca-se, magestoso, grande, o castelo de Monsanto.
De passado distante, de história que não é só a de Portugal mas a de povos que por ali passaram em séculos anteriores, de civilizações diversas, que não só a latina mas também as de povos orientais que em redor dele fizeram explorações mineiras, comerciaram, e por muito tempo permaneceram e se fixaram aquém e além do Tejo; de arcaboiço formidável que o rodar dos séculos não pode destruir, ele lá está, testemunho certo, a afirmar o seu valor e a atestar, por si e pelos feitos que à vista de suas torres, muralhas e minaretes se desenrolaram, que a terra, como a gente lusa, não são de fácil dominação.
Rodado por grandes exércitos, atacado pelas legiões de Roma, mirado e estudado para a guerra de traição e emboscadas pelos mouros, Monsanto, o Monte-Santo de beleza e de heroismo, vive igualmente na tradição do povo em lendas e costumes encantadores, cheios de poesia e de religiosidade, bem dignas de serem perpetuadas e registadas para mais o elevarem no conceito geral de monumento grandioso da nossa pátria imortal.
Uma das suas mais curiosas lendas diz assim:
Em volta do castelo estendia-se, havia anos, apertado cerco.
Da fortaleza destacavam-se guardas avançadas e vigias para as primeiras defesas.
Uma vez ou outra, em noites escuras, alguns mais destemidos e conhecedores de todas as veredas e precipícios, iludindo a atenção do inimigo, escoavam-se através de refegos e ressaltos das rochas a haver fora mantimentos, que se não davam a abastança, chegavam em todo o caso para manter os heróicos defensores do castelo.
Mas, a situação prolongava-se em demasia, a vigilância exterior aumentava e os sitiados já receavam pelo futuro.
Ao mesmo tempo, também os sitiantes, em face de tão prolongada e incrível resistência, começavam a ter como certo que na fortaleza havia subterrâneo ou comunicação invisível com o exterior.
Um dia, os monsantinos reconheceram que não podiam manter-se por mais tempo: tinham apenas uma vitela e meio alqueire de trigo...
A rendição? Nunca, porque jamais os moradores de Monsanto se entregaram sem luta!
Que fazer então?
Alguém opinou que se desse o trigo à vitela e depois esta se atirasse sobre os sitiantes que talvez assim se convencessem da abundância de viveres.
E, de facto, a vitela, depois de ter comido o meio alqueire de trigo e beber água a fartar, foi levada ao sítio mais alto da muralha e lançada sobre o campo dos inimigos.
Semi-morta, agonizante, logo eles a abriram e esquartejaram.
E vendo que tinha no estômago, não digerida, boa porção de trigo, exclamaram: — «Com carne fresca e cereal em tal abundância que até lhes chega para a alimentação do gado, não os venceremos».
E levantaram o cerco.
E puderam então os heróicos defensores do castelo, retomar a liberdade, voltar à alimentação regular e fugir à morte próxima.
- Source
- DIAS, Jaime Lopes Contos e Lendas da Beira Coimbra, Alma Azul, 2002 , p.50-52
- Place of collection
- Monsanto, IDANHA-A-NOVA, CASTELO BRANCO