APL 681 O Rei Vamba
O império visigótico debatia-se em grave crise. Morto o rei, Deus revelou ao pontífice que o novo monarca seria um homem bom, de ascendência real, consciência recta, virtuoso e sem vaidades nem ambições, que vivia distante e ignorado, entregue ao cultivo das suas terras.
Era preciso procurá-lo, e para se ter a certeza de ser o próprio, ele deveria espetar urna vara no chão. Se a vara florisse estaria descoberto O rei dos visigodos.
Partiram emissários à procura do homem bom, descendente de reis, consciência sã, virtuoso e sem vaidades. Interrogados muitos, alguns inculcaram-se como tais, mas ao espetarem a vara no chão ela não floriu!
Chegados aos campos da Egitânia, ali onde Monsanto, mole gigantesca de granito a elevar-se até às nuvens, impõe respeito e leva a meditar no poder incomensurável do Rei da Criação, encontraram à beira do caminho um lavrador que, pachorrentamente mão direita na rabiça do arado e a esquerda a segurar a vara com que tocava os animais, lavrava a terra. Estacaram ao vê-lo e deram-lhe os bons dias!
O homem, rosto tisnado pelos ardores do sol, denotava no seu aspecto simples com ares de distinção, traços e modos de pessoa de boa estirpe.
— Estaria ali o descendente de reis, virtuoso, sem vaidades nem ambições e consciência recta?
— Como se chama — perguntaram-lhe.
— Vamba.
— A sua ascendência?
— Que lhes importa?
— Porque se consome nesta luta inglória, a lavrar o campo? Suplicio que se impôs a si próprio por delito grave ou peso de consciência?
— Não. Adoro a terra que tudo nos dá. Velho hábito, levanto-me com o sol. Louvo a Deus e peço-lhe que, por sua imensa bondade e misericórdia, continue a dar-me o pão para a boca. Trabalho o dia todo e deito-me a agradecer ao Senhor o conservar-me a vida e a saúde, e a pedir-lhe a continuação da sua demência para as minhas faltas.
Os emissários entreolharam-se.
— Espete no chão essa vara com que toca os bois.
Vamba, respeitoso, enterrou a vara no chão e, com grande espanto de todos, ela floriu!
— Acompanhai-nos! Sois o eleito de Deus para rei dos visigodos!
— Vamba descobriu-se, caiu de joelhos, e deu graças a Deus.
— Como, Santo Pai, há-de este teu humilde servo dar cumprimento ao que os teus altos desígnios lhe impõem?
Obediente, sem qualquer restrição ás determinações divinas, Vamba acompanhou os emissários e foi coroado rei em Toledo.
Homem de raras virtudes e piedoso, como se disse, teve um reinado agitado por intrigas e lutas de ambiciosos.
Cansado de tantas maldades, depois de ter reinado muitos anos, cortou as barbas, tomou o hábito de S. Bento e foi sepultado em Toledo, onde dorme o sono eterno.
- Source
- DIAS, Jaime Lopes Contos e Lendas da Beira Coimbra, Alma Azul, 2002 , p.121-123
- Place of collection
- Idanha-A-Velha, IDANHA-A-NOVA, CASTELO BRANCO