APL 1490 Ancora
É tradição muito antiga e referida por varios historiadores e a traz tambem o conde D. Pedro no seu Nobiliario (impresso em 1622), que a este rio se deu o nome actual pelo romance seguinte:
Pelos annos 932 de J.C., era rei (ou emir) de Gaia, o moiro Al-Boazar-al-Bucadão, formoso mancebo, grande poeta e extremado cavalleiro.
Tinha elle uma lindissima irmã, chamada Gaia ou Zahara (que querem alguns désse o nome a Gaia) a quem muito amava.
A illustre poetisa, musica e pintora portuense do seculo XVII, D. Bernarda Ferreira de Lacerda, canta com muito mimo este romance (dos amores de Zahara e D. Ramiro) no Tom. I, canto 6°, da sua Hespanha Libertada. O nome de Zahara é verdadeiramente arabe. Não assim o de Gaia, a que não acho muito geito, por ser evidentemente romano (Caia, que os Luzitanos pronunciavam Gaia). (Vide Gaia).
Estava Al-Boazar-al-Bucadão em paz com os christãos e dava no seu castello muitos festins, saraus, justas e torneios, a que eram indistinctamente admittidos mouros e christãos.
D. Ramiro II, rei de Leão, foi a estas justas disfarçado em trovador, e seduziu e roubou Zahara, levando-a para a sua terra (onde se fez christã, com o nome de Artida). Ficou o mouro desesperado, com razão, e protestou tomar vingança.
Disfarçou-se tambem em trovador, e foi-se caminho de Leão.
Chegando á côrte, taes phrases empregou com D. Urraca, mulher de D. Ramiro II, que esta se enamorou perdidamente do Al-Boazar e, abandonando marido e filhos, vem para o alcaçar de Gaia com elle; mas com o maior segredo, que lhes foi possive], e tal que só passados alguns annos é que D. Ramiro pôde descobrir o paradeiro da sua infiel consorte.
Disfarça o caso, para melhor obter os seus fins, e conseguiu por estratagema, ou por traição, introduzir-se uma noite no alcaçar mourisco, tendo cá fóra homens decididos, promptos para o que désse e viesse.
O certo é que o rei e alguns dos seus poderam agarrar a D. Urraca (já um principe francez desarranjou um casamento que estava tratado com uma infanta nossa, só por se chamar Urraca) e ao pobre do Alboazar, e largou a toda a pressa com elles caminho da Galliza.
Chegando a Monte-Dor, aldeia do litoral, na freguezia de Carrêço, 6 kilometros a NO. de Vianna, alli assassinou, com os mais horriveis tratos ao infeliz Al-Boazar. (Vide Carrêço).
Praticada esta façanha, foi o rei e a sua comitiva caminhando para o N., a 6 kilometros distante de Monte-Dor, chegaram ao rio Spaco, e aqui, mandando prender a rainha a uma ancora (pelo pescoço) elle e seus filhos (!!!) a deitaram ao rio, onde se afogou. (Hoje havia de custar-lhe a afogar-se aqui, principalmente se fosse de verão, a não ser em alguma levada).
É certo que D. Ramiro II roubou a moura Zahara, irmã ou filha de Al-Boazar, a qual se fez christã, tomando no baptismo o nome de Artida ou Artiga. O rei repudiou a D. Urraca e casou, ou, segundo outros, viveu amancebado com Zahara, de quem teve um filho chamado D. Alboazar Ramirez, (que fundou o mosteiro de Santo Thyrso e do qual algumas vezes fallaremos n’esta obra.) Na minha opinião, ha um facto que faz cair redondamente por terra a historia das mortes de D. Urraca e Alboazar. Pois então, se era tamanho o odio de D. Ramiro II contra Alboazar, e se este lhe tinha roubado a mulher, como é que o rei poz ao filho o nome do tio ou avô? Entendo que o romance de D. Bernarda e de Garrett, não passam de... romances. Mesmo assim deu elle motivo ás antigas armas de Vizeu. (Vide Vizeu).
O chorado Garrett, no seu belissimo poemeto intitulado Miragaia conta o caso de modo bastante diverso. (Vide Vizeu e Cabriz).
Desde então se ficou chamando ao Spaco, Rio da Ancora ou Rio Ancora. (Então porque se não ficou chamando Rio da Rainha, ou Rio de Urraca?)
- Source
- PINHO LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de Portugal Antigo e Moderno Lisbon, Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, 2006 [1873] , p.tomo I, p. 209-210
- Place of collection
- Âncora, CAMINHA, VIANA DO CASTELO