APL 1409 A Coroa Real dos Cedros

No tempo do domínio castelhano e mesmo já anteriormente, os Açores eram, de certa maneira, esquecidos e os piratas aproveitavam para, à sucapa e a coberto da noite, atacar e roubar as ilhas, principalmente as mais desprotegidas.
 Duma vez, um grupo de piratas, comandados pelo seu rei mouro, atacou a ilha do Faial. Mas os faialenses deram-lhe luta e conseguiram vencer e fazer com que os piratas abandonassem a ilha sem fazerem as pilhagens habituais. Ao fugir, o rei esqueceu a coroa. Era magnífica, em prata, enfeitada ao redor com ramos lavrados.
 Já em viagem o rei mouro deu por falta da coroa e lembrou-se que a tinha deixado na ilha que tinham atacado. O barco rumou novamente em direcção ao Faial em busca da preciosa coroa.
 Disfarçadamente, os piratas procuraram por onde puderam, indagaram junto de algumas pessoas, mas nada encontraram e o rei mouro partiu em direcção às distantes terras dos infiéis, abandonando a ilha para nunca mais voltar.
 Ora uma mulher dos Cedros, que tinha encontrado e guardado a coroa, ao saber que os piratas estavam de volta à procura do símbolo real, tratou de escondê-la o melhor possível. Não vendo sítio mais seguro e, como era uma coroa aberta, sem hastes, do feitio de um anel, enfiou-a numa perna como quem enfia uma aliança e aí a conservou até ter a certeza que o rei se fizera ao mar, desistindo para sempre do precioso objecto.
 Passado algum tempo a perna da mulher inchou e, quando quiseram tirar a coroa ela não saía. Puxaram de um lado, puxaram do outro, lavaram a perna com água e sabão de cinza para a pele ficar mais escorregadia, mas a coroa não saiu. Não vendo outro jeito, não tiveram remédio senão cortar a coroa para a poderem tirar. Depois soldaram-na com muito cuidado e o riquíssimo objecto ficou para a freguesia e passou a ser usado nas festas do Espírito Santo. Tinha de altura treze centímetros e continha engastada uma gema de cor da qual se ignora o verdadeiro valor.
 Passados anos, com medo que aquela coroa tão rica desaparecesse ou se estragasse, mandou-se fazer uma imitação para ser usada nas festas, mas a antiga coroa do rei mouro continua a ser guardada todos os anos em casa do mordomo do Espírito Santo e pode ainda ver-se, perfeitamente, num dos lados, o lugar onde foi cortada e soldada para poder sair da perna da mulher que a tinha guardado cautelosamente.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.255-256
Place of collection
Cedros, HORTA, ILHA DO FAIAL (AÇORES)
Narrative
When
17 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography