APL 184 N. Sª da Salvação do Convento de Santa Catarina de Ribamar
Prodigiosa era a representação pictórica de N. Sª da Salvação, segundo a tradição atribuída à autoria do evangelista S. Lucas, que a rainha-viúva D. Catarina (1507-1578) oferecera, numa demonstração de afecto e devoção, a Frei António das Chagas, virtuoso cenobita do Convento de Santa Catarina de Ribamar, a quem costumava visitar.
Frei António das Chagas devotava particular veneração a esta imagem, a ponto de, algumas vezes, os confrades serem surpreendidos com o incontroverso diálogo que, no recato da cela, se travava. A Senhora conversava com o seu fiel e devoto servo!
Quando o admirado e estimado frade faleceu, com cerca de cem anos, o seu corpo foi exposto na igreja do convento, colocando-se-lhe à cabeceira a pintura da N. Sª da Salvação. Às exéquias acorreram muitos devotos, entre os quais a duquesa de Aveiro que, desde há muito, cobiçava à imagem. E agora encontrava-se tão acessível. Logo, então, pensou que a poderia furtar. Aproveitando a perturbação do momento em que o cadáver era conduzido à sepultura, aproximou-se e tomou a pintura que passou a um escudeiro, com a recomendação que a levasse para sua casa. Saiu este, com o precioso furto, e montou o cavalo que o esperava, mas, por mais que tentasse, o teimoso equídeo não obedecia. Mesmo picado, “levantando-se no ar, resistia a não querer mover.” O escudeiro, apeando-se, “entrou pela igreja dentro publicando o milagre”.
Mas a duquesa de Aveiro não desistiu do seu sacrílego intento. Contratou um hábil pintor que fizesse uma cópia fiel da imagem e convenceu o guardião do convento a permitir a troca, à custa de grandes esmolas e presentes. A abusiva permuta fez-se e a vera pintura foi habitar a casa da aristocrata, mas “a Senhora […] se não agradou daquela mudança.” Os castigos atingiram então aquela mansão: adoeceu, até à morte, o filho varão e, depois outro e outra filha, após o que o duque também caiu enfermo. A duquesa perante a sucessão de tão inesperados e funestos acontecimentos, veio “a entender que todas estes males eram castigos da sua temeridade” e restituiu a imagem ao convento. De imediato, começaram os doentes a melhorar e “em breves dias ficaram todos sãos”.
- Source
- MIRANDA, Jorge Viagem pelas Lendas do Concelho de Oeiras Oeiras, Câmara Municipal de Oeiras, 1998 , p.28
- Place of collection
- OEIRAS, LISBOA