APL 122 Lenda de S. Sebastião

No Funchal, ao lado do Campo do Senhor Duque, situava-se a igreja do mártir S. Sebastião. Quando o templo foi demolido, para desafogar o lugar, foram abertas artérias e aquele sector citadino tornou-se mais amplo. De S. Sebastião ficou o nome ao largo gerador de todo aquele arranjo. Porém, mais tarde, uma placa toponímica dizia que ali era não terreno do mártir mas do Chafariz — um monumental fontenário que já andara por vários sítios e, mesmo ali, já saltitou por diversos pontos!
 A fundação da igreja deveria datar do curto reinado de D. Sebastião. Recordemos que antes da partida para o louco desastre de Alcácer-Quibir, o jovem rei ordenou por decreto que em todas as povoações nobres se erigisse igreja ou capela invocando o patrono do seu nome. Porém, não está fixada a data da sua fundação, conquanto surja o ano de 1523, sendo certo de que neste a câmara e o povo do Funchal elegeram o mártir como padroeiro contra a peste. Outros dizem 1430, apenas porque nesse ano ali se fundou a primeira freguesia do Funchal. No entanto, junto do altar de Santo Elói, existia a sepultura de Álvaro Annes, escudeiro do infante D. Fernando, o mártir de Fez, com epitáfio datado de 1471. Talvez a discussão não valha a pena. E sabemos que, de qualquer modo, em 1803, o camartelo derrubou a igreja, para em seu lugar ser instalada a feira do mercado. A lenda começa aqui só porque a igreja não voltou a ser reconstruída.

 Dizem as vozes que, após o desmantelar do templo, todas as noites e em horas impróprias para uma pessoa andar na rua, aparecia ali no largo, que fora do mártir S. Sebastião, e «mostrando-se em tristeza aos poucos noctívagos dessa época que por ventura ali quisessem caminho, certo sujeito de bom porte em bem composto aspeito, homem de grave contenho em boas e leais parecenças, que, passeando o largo de lés a lés, em alto pranto falando para os que o ouvissem lhes profetizava o próximo alagamento da cidade pelas águas do mar». E jurava isso a pés juntos, acrescentando que os homens muito padeceriam caso não reedificassem depressa a casa sagrada no lugar onde sempre estivera.
 Semelhante profecia nunca se realizou, mas o suposto homem garantia que se não cumprissem a reconstrução o mar subiria, subiria, galgando as ruas do Funchal. As águas, acrescentava, invadiriam as casas, os campos, acabando por ficar aquela praça transformada num «ancoradouro para naus ou garganta de morte para os seus moradores».
 Quem seria o tal fantástico ser? Alguns puros e crentes dizem ter sido o próprio S. Sebastião com roupas do século em que apareceu, enquanto outros, mais encantados, aventam a hipótese de ser D. Sebastião, o menino-rei, «a protestar contra a demolição do templo do santo do seu nome, de quem tanto devoto sempre se mostrara enquanto reinante em Portugal».

Source
MOUTINHO, Viale Lendas e Romances da Ilha da Madeira Porto, Editora Nova Crítica, 1978 , p.35-37
Place of collection
FUNCHAL, ILHA DA MADEIRA (MADEIRA)
Narrative
When
20 Century, 70s
Belief
Some Belief
Classifications

Bibliography