APL 2631 O mouro cristão

Segundo consta, em Castro Marim existia um milagre do Cristão. Ele vivia em terras de Espanha, era um grande escravo. De noite, a cama que tinha era uma arca em género de caixão, a alimentação que tinha durante o dia era pão e água, vivia como escravo.
De noite, já referi, isolavam-nos dentro nessa arca, e em cima dessa arca ficava um guarda-costas.
Era um escravo, durante a noite não bebia água nem fazia necessidades. Um belo dia, houve uma grande enchente, chuvas. Aquela cidade espanhola, não me recorda agora, inundou-se, e aquela água toda veio a dar ao rio Guadiana. Entrou pelo rio Guadiana e entrou numa travessal de Castro Marim. Deu aqui à seca, entrou um dia e uma noite, subiu o mar, e depois quando chegou a Castro Marim era de madrugada. Ora de madrugada os galos cantam, os cães ladram, e então o guarda que estava em cima dessa arca dizia então:
- Que terra é esta com alta senhoria, cantam os galos e tocam os sinos à poesia?
Os sinos tocavam a rebate, os galos a cantar, os cães, não é verdade, porque pressentiam, sentiam aquele caso. As autoridades, juntou-se muito povo, e o homem foi solto da arca. Levaram-no então para a capela da Nossa Senhora da Fontinha, perto, ali a 10 metros desviado da igreja matriz. Na dita ermida havia uma grande fonte de correr agua, ainda hoje existe lá um poço. Essa fonte com os anos desapareceu. Existe lá um poço, e estava um grande freixo. O freixo era muito grande, fazia uma muita grande sombra e ali se juntaram e baptizaram o dito homem. Soltaram-no, não é verdade, foi cristão..e foi assim.
Na dita igreja de Nossa Senhora dos Mártires, esta terra teve sempre a fama e foi verdade, vinham para aqui pessoas que praticavam certos crimes, vinham para aqui ‘desterrados’, chamavam-lhe a terra dos ‘degradados’. Viviam no castelo, comiam duas vezes por dia, não é verdade, e um deles era muito inteligente em pinturas, e soube desta história, e fez um grande quadro, uma tela grande que tinha a data de 1550. Uma tela grande, com uma grande moldura larga, aí com 1,5 metro por 70/80 de largura, enfim, e estava na igreja.
No outro lado estavam as autoridades que chegaram nessa altura, a presenciarem o coiso. Duas telas, com umas grandes molduras muito largas na referida igreja.
Depois disso, aqueles quadros prolongaram muito tempo e estiveram ali expostos na igreja Nossa Senhora dos Mártires juntamente com a tal corrente de ferro que esteve ali pendurada. Cuja corrente encontra-se na sacristia.
Eu tenho perguntado o que é feito dessa corrente, mas depois do incêndio de 23 de Fevereiro de 1961 esses quadros arderam e essa corrente foi tirada da parede, e hoje se encontra na sacristia. É pena que essa corrente não esteja pendurada na igreja. Ali num recanto que coiso assim, mas entenderam retirar essa corrente de lá. Essa corrente era a tal que amarravam o tal escravo, o tal cidadão.

Source
AA. VV., - Arquivo do CEAO (Recolhas Inéditas) Faro, n/a,
Year
2009
Place of collection
CASTRO MARIM, FARO
Collector
Dália Faísca (F)
Informant
António Vítor Severo Martins (M), 76 y.o., born at CASTRO MARIM (FARO),
Narrative
When
16 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography