APL 1329 A feiticeira que se transformou em aranha

Pelos princípios do século vinte havia uma família pobre das Fontes, na Graciosa, a quem morriam muitas criancinhas pouco depois de terem nascido. E verdade que os pais eram pobres e não tinham posses para criar muitos filhos, mas se Deus os dava, tinham de amá-los e criá-los.
 O pai andava desesperado, sem saber o que havia de fazer para salvar os filhinhos. Cismava noite e dia que ali havia coisa estranha relacionada com a morte dos anjinhos. Talvez alguma feiticeira se disfarçasse, entrasse no quarto e chupasse os bebés.
 Pensando isto, pôs-se logo alerta. Pouco saía de casa para vigiar tudo o que se aproximava do bercinho do recém-nascido.
 Numa certa hora, quando estava à espreita, olhou, por acaso, para o tecto e viu uma aranha muito, muito grande. Metia medo. Depois o bicho feio saiu da teia e começou a descer vagarosamente por um fio, na direcção da cama.
 O homem, que estava cheio de raiva, pegou numa tesoura que tinha à mão e, com violência, cortou a teia de aranha.
 Imediatamente o repugnante bicho se transformou numa linda rapariga, mas que ele não conhecia na vizinhança. Ela começou a dizer que ele tinha de a ir levar a casa, como sempre acontecia, senão algum mal lhe viria. O homem estava tão zangado que nem o espanto nem o medo o fizeram hesitar. Disse que não ia com quantas forças tinha e, pegando num bordão de marmeleiro, foi-lhe dando verdascadas, enquanto lhe dizia:
“Bruxa! Feiticeira! Já me chupaste os pequenos todos, mas não me chupas mais nenhum, senão mato-te!”
 A feiticeira desistiu da ideia de que ele havia de ir levá-la a casa, fugiu a sete pés e nunca mais teve coragem de se aproximar dos filhinhos do dito homem.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias , Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.162-163
Place of collection
Santa Cruz Da Graciosa, SANTA CRUZ DA GRACIOSA, ILHA DA GRACIOSA (AÇORES)
Narrative
When
20 Century, 10s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography