APL 1907 Vai p’ra quem te comeu as leiras!

Em algumas aldeias transmontanas crê-se que os trasgos, ouvidos e sentidos em determinadas casas, são o espírito de alguém que ali morreu e que regressa para atormentar quem lá mora, como forma de vingar-se dos maus tratos que recebeu em vida.
 Conta-se, a propósito, que uma mulher, quando estava à noite à lareira, ouvia alguém bater à porta e a fazer ruídos na soleira, e que, ao abrir para ver quem era, não encontrava vivalma. Esta situação aconteceu numa noite, depois noutra, e foi-se repetindo daí em diante.
 A mulher contou o sucedido a pessoas da sua família, e noites houve em que lhe foram fazer companhia ao serão. Contudo, nessas noites já nada acontecia de anormal. Os familiares começaram, por isso, a pensar que era ela que não andava a regular bem da cabeça.
 Uma noite, quando estava de novo sozinha à lareira, lá volta a ouvir os mesmos ruídos e alguém a bater à porta. Primeiro não ligou (“É o costume — pensou), mas depois, como insistiam a bater, a mulher encheu-se de mau génio e de coragem e foi abrir a porta, dizendo, em altos berros, para o vazio da noite:
 — Vai p’ra quem te comeu as leiras, que eu não te comi nada!
 Melhores palavras não podia ter dito. Nunca mais nenhum “espírito” lhe voltou a ir bater à porta durante a noite.

Source
PARAFITA, Alexandre Antologia de Contos Populares Vol. 1 Lisbon, Plátano Editora, 2001 , p.207
Year
1998
Place of collection
Sabrosa, SABROSA, VILA REAL
Informant
Maria Helena Parafita (F), 63 y.o., Sabrosa (SABROSA),
Narrative
When
20 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography