APL 3376 Passos de D. Leonor

Pelo meiado do seculo XV, um confessor da rainha D. Leonor, viuva do rei D. Duarte, fundou na Berlenga Grande, um mosteiro da ordem de S. Jeronymo.
    N’elle habitaram os monges quasi um seculo, até que as perseguições e assaltos dos corsarios argelinos, e dos inglezes, que por ahi abordavam (depois da reforma) os determinaram a mudar-se para Valle-Bem-Feito, onde edificaram um novo mosteiro.
    Quando ainda occupavam o mosteiro da Berlenga, existiam em Peniche dois homens ricos e orgu1hosos que reciprocamente se odiavam.
    Ambos eram casados e tinham filhos; mas como as inimisades dos paes algumas vezes se não transmittem aos herdeiros, aconteceu que Leonor filha de um, e Rodrigo, filho de outro, se amavam estremecidamente. O pae de Rodrigo, desejando pôr termo aos sonhos dourados do filho, e estorvar uma alliança que muito lhe repugnava, obrigou-o a recolher-se ao mosteiro da Berlenga e a entrar no noviciado da ordem.
    O mancebo inconsolavel e infeliz, obedeceu à ordem do pae, mas esperando que o tempo abrandasse os odios da familia, e podesse então unir-se à mulher a quem mais queria, procurava vêl-a e fallar-lhe a occultas dos superiores.
    Para este fim, em noites de antemão combinadas, sahia Rodrigo do convento, e embarcando, acompanhado de um velho pescador, seu amigo e confidente, n’um pequeno bote, propriedade dos monges, atravessava o canal que separa a Berlenga do Cabo Carvoeiro, e vinha desembarcar em um pequeno porto, a que hoje chamam Carreiro de Joanna ou de Joanne.
    Leonor comparecia sempre primeiro a estas entrevistas, e dirigia seus passos a uma gruta ou reconcavo, pittorescamente situado e cavado na rocha, que faz frente para o lado por onde Rodrigo passava. Alli o esperava debaixo das arcadas naturaes da gruta; e logo que avistava o pequeno baixel, accendia uma luz, para dar signal da sua presença.
    Chegou porém Rodrigo uma noite, e a luz não appareceu; gritou por Leonor, mas só o echo da propria voz lhe respondeu; vê entretanto passar junto do barco um objecto fluctuante, apanha-o, e cheio de sobresalto reconheceu a capa de Leonor.
    O mais que se passou na alma do pobre mancebo não o sabemos nós, porque ficou em segredo entre Deus e elle; o que o seu companheiro disse foi, que, apenas reconheceu a capa do Leonor, sem mais reflexão, se arrojára ao meio das ondas, chamando por ella, e que se submergira, sem o velho lhe poder valer.
    O presentimento de Rodrigo realisára-se, infelizmente – Leonor chegára à gruta, e alli o aguardava, quando ouviu vozes que reconheceu serem de seu pae e irmãos, que a procuravam.
    Tentou fugir e occultar-se; salta de rochedo em rochedo, mas calculando mal um passo, se despenhou no abysmo, onde se sumiu.
    No dia seguinte, appareceu o cadaver de Leonor entallado entre os penhascos que bordam aquele sitio. O de Rodrigo, levado pelas correntes, foi encontrado n’um banco de rochas, ao S.E. dos Remedios.
    A tradição d’este drama tragico, transmittiu-se até nossos dias, e o theatro em que se passou, ainda hoje conserva os nomes dos dois infelizes protagonistas.
    A gruta chamam os Passos de D. Leonor, e aos rochedos, aonde appareceu o cadaver de Rodrigo, o Sitio de Frei Rodrigo.
    Diz mais a tradição que Leonor fôra sepultada fóra da capella de Sant’Anna, ao lado direito da porta principal, e que no seu tempo era a donzella mais esbelta e formosa de Peniche.

Source
PINHO LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de Portugal Antigo e Moderno Lisbon, Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, 2006 [1873] , p.Tomo VI, pp. 501-502
Place of collection
PENICHE, LEIRIA
Narrative
When
15 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography