APL 855 O Rio Âncora

No tempo em que ainda não havia nome de Portugal, a Rainha desta terra, que ia desde a Galiza até Gaia, tomou-se de namoros com um fidalgo marroquino. Chamava-se a Rainha D. Urraca e o mouro Alboazar. Bem ela afirmava o seu amor ao Rei D. Ramiro, mas o coração fugia-lhe para longe. Um dia a renegada, perdida de amores, fugiu com o marroquino para um castelo em Gaia. Julgava-se ali segura e feliz!
 O pobre Rei D. Ramiro viu-se sem esposa e sem honra! Tal ultraje e afronta não podia ficar assim. Temia envolver numa guerra todo o seu exército, aquando a traidora fugisse para mais longe. Por isso resolveu tomar outras medidas. Vestiu-se de pobre mendigo, e embarcou numa pequena barca, que foi descendo pela costa até entrar pelo rio dentro. Aí informou-se da presença da mulher. Era verdade! Eles estavam naquele castelo, em descurada vigilância, entregues à paixão.
 Assim, numa noite de breu, roubou a esposa enquanto todos dormiam. Correndo para um navio que ali estava atracado, subiu pelo mar até um lugar chamado de Gontinhães, na foz de um pequeno rio, onde atracou para descansar. Aqui chegado, contou aos seus fidalgos e aos seus filhos a traição da rainha, pedindo-lhes ajuda para dar a melhor justiça, a tão vil acto de sua mulher. Todos ouviram com muita tristeza a tamanha maldade daquela mulher. O Infante D. Ordonho, com as lágrimas pelos olhos, disse para seu pai.
 - Senhor, a mim não cabe falar, porque é minha mãe! Não digo senão que olheis pela vossa honra! Mais ninguém ousou dizer alguma coisa ao Rei. Como era noite, foram todos descançar, deixando a rainha presa, junto com as mulheres que estavam com ela. No dia seguinte foram dizer ao Rei que a Rainha estava a chorar. Logo o Rei disse:
 - Vamos vê-la!
 Foram todos os seus conselheiros com ele. Quando chegaram junto dela, perguntou-lhe o rei:
 - Porque é que chorais?
 - Porque mataste Alboazar, que era muito melhor do que tu!
 Todos ficaram horrorizados com semelhante afronta! O Infante, não querendo acreditar no que ouvira, só teve tempo para dizer:
 - Isto é obra do diabo! Meu pai, o que fareis com ela? Ela ainda vai fugir novamente!
 Então o Rei amarrou a esposa traidora a uma âncora e lançou-a ao mar!
 Orgulhoso, não a deixou nas mãos do inimigo, mas, ofendido na sua honra, também a não quis para si.
 Abandonando D. Urraca no fundo do mar presa à âncora, regressou D. Ramiro ao seu castelo.
 A partir daquele dia, o rio onde tal sucedeu passou-se a chamar Âncora!

 

Source
CAMPELO, Álvaro Lendas do Vale do Minho Valenca, Associação de Municípios do Vale do Minho, 2002 , p.51
Place of collection
Vila Praia De Âncora, CAMINHA, VIANA DO CASTELO
Informant
Domingos Luis Verde (M),
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography