APL 1227 O Poço do Negro

Por meados do século quinze, já Santa Maria era povoada por colonos vindos de várias partes do reino e escravos do Norte de Africa. Todos trabalhavam arduamente na terra para a fazer produzir. Mas as populações nem sempre viviam em convívio pacífico, aconteciam desavenças, desentendimentos e cometiam-se crimes. Assim aconteceu com um escravo negro. A justiça então era dura, a morte pagava-se com a morte e o negro não viu outra solução senão fugir.
 Embrenhou-se no interior, descobriu furnas e algares que lhe serviram de abrigo das tempestades fortes que assolavam a ilha. Passou muita fome porque a caça não era abundante e tinha de andar constantemente a esconder-se. Os aguazis, mandados pelos senhores, perseguiram-no sem descanso. Calcorrearam a ilha por todo o lado, procuraram principalmente nos lugares mais recônditos e de difícil acesso. Mas nunca o encontraram. Por fim, desistiram da sua busca, embora a raiva e um medo secreto prevalecessem na população.
 Um dia, um caçador, que andava à espreita de coelhos, embrenhou-se nos matos e acabou por se perder no meio de abundante arvoredo. Continuou a andar, mas desorientado, até que teve de ladear uma ribeira e foi dar a um poço. Como o calor tinha sido intenso naquele dia e o cansaço era muito, o homem estava sequioso. Sentou-se na margem, fez uma concha com as mãos e baixou-se para tirar água do poço, já escurecido pela penumbra, devido à avançada hora e à sombra das ramagens. Apercebeu-se que a água estava muito lodosa e que exalava um cheiro terrível. Ergueu-se desanimado e preparava-se para seguir caminho incerto quando, lançando um olhar mais atento ao poço, viu que nele flutuava um objecto de desmedidas proporções, de cor escura, que lhe lembrou o cadáver do escravo negro, desaparecido. Amedrontado, correu, desesperadamente, ao subir a rampa marginal, perdeu os sentidos e só os recuperou pela madrugada do dia seguinte. Ainda meio tonto, voltou a caminhar à deriva, até que avistou um casebre cujos moradores lhe indicaram caminho seguro.
 O caçador, ainda abalado, contou o que havia visto e então os marienses passaram a chamar àquele reduto de água “Poço do Negro”. O medo de por ali passar dominou as populações marienses e ainda hoje afirmam que o poço não tem fundo e é lugar assombrado.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.42-43
Place of collection
VILA DO PORTO, ILHA DE SANTA MARIA (AÇORES)
Narrative
When
15 Century, 50s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography