APL 909 O outeiro do salto

Mairos é uma grande povoação situada num planalto, a norte do Concelho de Chaves.
 Próximo da aldeia, há um monte chamado Outeiro do Salto, cujo nome teve origem num encontro madrigalesco dum pastor e duma pastora.
 Conta a lenda que nesse lugar havia boas pastagens e água abundante. Por essas duas razões, era para lá que os pastores de Mairos conduziam os seus rebanhos, que andavam sempre bem fartos e bem anafados.
 E, como o monte era muito grande, os pegureiros escolhiam sítios diferentes, para evitar que as reses se misturassem, o que os obrigaria a separá-los na hora do regresso às cortes.
 Mas, depois, deixavam o gado a pastar e juntavam-se, para se entreterem a contar histórias, a jogar o botão ou a macaca, ou a atirar pedras, para ver quem chegava mais longe.
 Quando não se conseguiam juntar, distraíam-se sozinhos, tocando flauta ou gaita de boca.
 Um dia, juntaram-se lá um pastor e uma pastora que, depois de muito brincar e contar histórias resolveram trepar às fragas que havia no cume do outeiro.
 De lá, podiam observar melhor os rebanhos e avistar um panorama vasto e deslumbrante, que se estendia pela Espanha dentro.
 Depois de admirar a paisagem e, vendo que os rebanhos pastavam sossegados, começaram a divertir-se, saltando duns penedos para os outros, ao desafio.
 Nessa alegre competição, chegaram a uma fraga mais afastada, para a qual se tornava difícil e até arriscado saltar.
 O rapaz, mais habituado e mais afoito, saltou com relativa facilidade. A rapariga, menos treinada e mais tímida, não se aventurava a dar o salto. Mas, para não dar parte de fraca, fez das tripas coração e saltou também.
 O pior foi o regresso. Agora, era preciso saltar debaixo para cima, o que se tornava bem mais difícil. A distância dos dois penedos, a diferença de altura e o precipício entre elas causavam-lhe vertigens.
 Por mais que o companheiro a encorajasse, saltando várias vezes dum para o outro, a pobre rapariga não conseguiu vencer o medo que a paralisava.
 Entretanto, os dois rebanhos continuavam a pastar tranquilamente, indiferentes ao drama que preocupava os seus pastores, e o sol começava a esconder-se por trás da serra.
 E o rapaz, sem poder fazer nada para tirar a companheira daquela situação embaraçosa, e, não querendo deixá-la sozinha naquele ermo, resolveu ficar a fazer-lhe companhia.
 Os pais e os vizinhos, pensava ele, quando dessem pela sua falta, haviam de ir procurá-los e tudo se resolveria.
 Mas tal não aconteceu e tiveram de passar a noite em cima do penedo, resignados.
 Felizmente, era verão e a noite estava amena. O luar afastava as trevas e as estrelas brilhavam no firmamento.
 Depois de conversarem longamente, já esquecidos dos rebanhos que acabaram por se juntar também, adormeceram e tiveram um sonho lindo, cor de rosa.
 No dia seguinte, quando acordaram, viram em baixo os pais que tinham passado a noite a procurá-los, mas em vão.
 Com a sua ajuda, puderam, finalmente, deixar os penedos e regressar a casa, juntamente com os rebanhos.
 Mas aquela noite deixou marcas indeléveis na pastora, que, passados nove meses, deu à luz uma menina muito linda, como consequência daquele sonho cor de rosa.
 E foi por causa disso que o povo de Mairos deu àquele lugar o nome de o Outeiro do Salto.

Source
FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis Vila Real, Edição do Autor, 1999 , p.53-54
Place of collection
Mairos, CHAVES, VILA REAL
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography