APL 679 No Ar Geme Ela

No ubérrimo vale do rio Zézere, no limite da freguesia de Barco, do concelho da Covilhã, existe um monte ou cabeço de elevadas proporções, com algumas centenas de metros de altura, chamado Argemela, de onde se pode desfrutar panorama extenso e soberbo, e a cujo nome anda ligada curiosa lenda.
 Ali construiram outrora um castelo, segundo uns, os Mouros (versão recolhida pelo meu amigo Prof. João Antunes Grancho) e segundo outros os Romanos.
 Nas faldas de uma colina sobranceira, na margem oposta ao rio, teve igualmente assento, segundo a primeira versão, a residência de um rei godo, e, na versão dos últimos, um fidalgo lusitano.
 Viveram os dois adversários durante largos anos em luta sem tréguas.
 Aconteceu que, certo dia (primeira versão) o rei godo teve de ausentar-se deixando sem guarda a sua única filha, que era dotada de rara beleza. O mouro aproveitando a ocasião, assaltou o solar do rei godo e raptou-lhe a filha.
 Este, ao regressar, e ao dar pela falta da filha, jurou vingar-se, o que, em verdade, jamais conseguiu. Constando-lhe que a filha fora morta e ouvia vagamente os
seus gemidos sem que pudesse precisar onde ela se encontrava, dizia, lamentando-se: —
No ar geme ela.
 Este desabafo doloroso do pai deu por assimilação, Argemela, nome por que, ainda hoje, e como se disse, é conhecido e designado o monte.
 Segundo a outra versão ainda mais curiosa, de que fizeram eco Pinho Leal em Portugal Antigo e Moderno, vizinha do monte ocupado pelos Romanos, vivia uma linda moça lusitana que tinha o seu casamento ajustado com um dos mais destacados lugares-tenentes de Viriato.
 Na véspera do casamento os Romanos conseguiram raptá-la procurando forçá-la a revelar noticias respeitantes ao noivo e a guerra que se travava entre eles e os Lusitanos.
 A heróica moça resistiu a todos os maus tratos ao ponto de morrer queimada sem que revelasse, fosse o que fosse, contra os seus.
 Pelos séculos dos séculos, desde então, ficaram a ouvir-se gemidos que pairavam por sobre o monte o que leva o povo a dizer: — No ar geme ela! Daí o nome por que ainda hoje o monte é conhecido: «Argemela».

(1) O monte, castro luso-romano, que constituiria monumento arqueológico de valor, foi destruido há muitos anos, pela inconsciência popular e desleixo de quem tinha por obrigação velar pelos valores do passado.
 

Source
DIAS, Jaime Lopes Contos e Lendas da Beira Coimbra, Alma Azul, 2002 , p.118-119
Place of collection
Barco, COVILHÃ, CASTELO BRANCO
Narrative
When
20 Century, 50s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography