APL 641 Monte de Trigo
Terra privilegiada e bendita, a terra dos Egitanos!
Se a revolvemos para o estudo dos mais remotos tempos da arqueologia ou da pré-história, se pretendemos conhecer os tempos proto-históricos ou históricos que precederam a organização da nossa nacionalidade, se desejamos profundar a origem étnica dos portugueses e as tradições da nossa raça, lá encontramos elementos valiosos para a reconstituição de todo esse passado e para o estudo do viver do homem.
Terra santa e bendita, a terra dos Egitanos associa às suas tradições gloriosas as lendas mais românticas e poéticas!
Santa e bendita seja Ela para todo o sempre!
Quem algum dia tenha visitado o Cabeço dos Mouros, a Vigia ou a Cabeça Alta, quem alguma vez tenha seguido de Idanha-a-Nova para Alcafozes terá notado a existência dum grande monte de formas geométricas correctas com a configuração aproximada dum cone de vértice fendido.
Verdejante e de meses de ouro em anos de cultura, árido e sem vegetação nos anos de pousio, e sulcado por pequenos regos em anos de alqueire, o Monte de Trigo sabe destacar-se, prende bem a atenção do viajante.
Monte de Trigo?...
Desfazia-se a terra em colheitas prodigiosas, e se os lavradores, ao tempo, pouco mais tinham que confiar-lhe a semente para ela se desdobrar em messes infindas, o homem trabalhava, já então, de sol a sol, na luta pela existência. A colheita fora naquele ano de excepcional abundância.
Amadurecido e amarelecido o grão pelo áspero sol do estio, reunido em grande monte depois de desalojado das espigas, restava proceder à medição.
Estava-se no sétimo dia do Pentateuco. Era ao domingo. Vieram a rasa e a rasoura.
O lavrador, mangas arregaçadas, atirado o chapéu para o lado, fez o sinal da cruz como para arredar o demo. E começou a faina.
O saco, em mãos fortes de serviçal, aguardava a primeira medida; mas, nisto, sem se saber de onde, ecoou aos ouvidos do lavrador:
— Não sabes que é pecado trabalhar ao domingo?
Estarrecido, quase fulminado por tão estranho aviso que abruptamente lhe tolheu os movimentos, verificou que não havia que medir!
O trigo transformara-se em terra, a rasa e a rasoura eram de pedra!
De joelhos, suplicante e arrependido, implorou, pediu de todo o fundo da sua alma a revogação da sentença.
Inútil!
A voz que a seus ouvidos levara a eterna transformação de trigo em terra — não sabes que é pecado trabalhar ao domingo? — perdeu-se, para não mais ser ouvida, no eterno segredo das coisas eternas!
E lá continua ainda hoje, e lá se conservará pelos séculos fora, semelhando grande monte de cereal, com a rasa e a rasoura, o Monte de Trigo!
- Source
- DIAS, Jaime Lopes Contos e Lendas da Beira Coimbra, Alma Azul, 2002 , p.12-14
- Place of collection
- Alcafozes, IDANHA-A-NOVA, CASTELO BRANCO