APL 709 A lenda de montechoro

Quando El-Rei de Portugal
O Gharb tinha na mão,
Diz a lenda que, afinal,
Ele amou como um cristão.

Naquele tempo passado,
Era Ahline, podeis crer,
Linda moira, sem pecado,
De se ver p’ra se morrer.
 
Que pecado ela não tinha
Senão só ser maometana;
Quanto ao resto, era rainha,
Com seus trajos de cigana.

E trigueira... e fora o sol
Que a fizera assim trigueira.
Tinha a voz em si bemol,
P’ra prender a vida inteira.

Quem na ouvisse falar,
Nessa voz assim tão doce,
Não vivia sem amar,
Fosse lá pelo que fosse.

E mesmo as aves que vinham
De longe, p’ra lhe cantar,
Ali mesmo se detinham,
Para ali nidificar.
 
Os cravos e até as rosas,
Se dela tinham ciúmes,
Logo floriam mimosas,
Em braçadas de perfumes.

A água que do céu caía,
Pelas noites estreladas,
De muito manso batia
Nas suas portas doiradas.

E, assim, todas as cousas
A tratavam como irmã,
Nas horas esplendorosas
Quer da noite ou da manhã.

Estava El-Rei acabado
De conquistar Al-Buhera,
Que logo alguém, a seu lado,
Em segredo lhe dissera:

— “Saiba Vossa Majestade,
“Que a tais perros, com tais modos,
“Para bem da cristandade,
“Convinha matá-los todos.

 “Para que não fique um só
“Que aos outros possa contar,
“O quanto aqui se passou
“Nesta luta singular.

Disse El-Rei para consigo,
Mais do que prós outros, sim:
— “Matai-os, para castigo;
“Dai-lhes fogo, dai-lhes fim!

O castelo foi passado,
Todo ele, a fio de espada;
Moiro que fosse apanhado
Tinha a vida ali contada.
 
Quantos morreram, lá perto,
Daqueles filhos de Aghar?
Foram tantos que, decerto,
Ninguém os pôde contar!
 
Mas.., há sempre um “mas”, nas lendas
Que narram nossos avós,
Das longas horas tremendas,
De algum combate feroz.

Mas houve alguém que encontrou
Moira bela, moira altiva,
Que sem dizer “aqui ‘stou!”,
Logo ali ficou cativa.

Foi Ahline dada assim
A El-Rei de Portugal
Que de ali partiu, por fim,
P’ra descansar, afinal.

Por alta noite, serena,
Pôde El-Rei então amar
Aquela pele morena
Daquela filha de Aghar.

Se era El-Rei à guerra afeito,
Também em cortes de amor
Seu saber era perfeito,
Com o mesmo ou mais ardor.

Que noite de amor aquela!
Quanta luta ali travada,
Numa tão pequena cela,
Hora a hora renovada!

Ao outro dia, já tarde,
Quando o sol a luz perdia,
Já El-Rei, sem mais alarde,
Daquele monte partia.

Partia triunfador
Dessa gente sarracena
E de um combate de amor
Travado com a agarena.

Disse-lhe El-Rei que ficasse,
Que tão prestes voltaria,
Tanto quanto se mostrasse
Que a luta finda seria.

E ficou Ahline esp’rando,
Entre suspiros, magoada,
Seus dias tristes chorando,
Amando, mas não amada.

Porque El-Rei não mais voltou,
Satisfeito desse amor,
Que outras damas conquistou,
Sempre com igual fervor.

E Ahline, a moira encantada,
Chorou tanto, a pobrezinha,
Que desapar’ceu, feita em nada,
Nas asas duma andorinha.
 
Mas o choro, esse se ouviu,
Por anos e anos, seguido;
E ao monte não mais subiu
O povo, de compungido.
 
Começou então a ser
Um lugar de mau agouro,
Por toda a gente dizer
Que era ali Monte de Choro.

Os séc’los, assim, passaram
E sempre o choro ficou;
Só as aves lá cantaram
Tanto amor de quem amou.

Os tempos foram rodando,
 Mas hoje, ao tempo vindouro,
Inda alguém anda clamando:
Montechoro! ... Montechoro!

Source
LOPES, Morais Algarve: as Moiras Encantadas s/l, Edição do Autor, 1995 , p.68-73
Place of collection
Albufeira, ALBUFEIRA, FARO
Narrative
When
20 Century, 80s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography