APL 80 O moleiro do rio Ovil
Foi uma vez certo moleiro nadar no rio Ovil, num poço entre as penedias, ali para baixo do lugar do Giraldo.
Quando quis sair da água, alguma coisa o puxou por entre os penedos, e onde havia ele de ir dar?... Ao palácio uma moira encantada!
O palácio era coisa de maravilha: oiro, prata, brilhantes, riquezas sem conta, mas não viu a moira. Esteve lá de um dia até ao outro sem ter sono, nem fome, nem sede: queria ir para casa e não podia, até que se lembrou de rezar o Padre-nosso às avessas, o que é bom para quebrar o encanto, e pôde então sair.
Quando veio para fora do rio, os vizinhos e amigos procuravam-no e, vendo-o vivo, não queriam acreditar. Disse-lhes ele o que lhe tinha acontecido e os outros foram às escondidas, de noite, com o luar, fazer uma cale para esvasiar o poço, mas não encontraram a entrada do palácio. Vieram dizer ao moleiro que mentia, que não havia entre os penedos palácio nenhum.
— Pois volto lá, disse o moleiro, e hei-de trazer uma prova.
Foi, pegou numa barra de oiro, voltou a dizer o Padre-nosso às avessas e saiu.
Todos os que viram o oiro acreditaram e disseram:
— é rico!, e uma donzela das redondezas logo quis casar com ele, mas, depois, dava-lhe mau viver, porque andava sempre a queixar-se de que não via riqueza nenhuma.
O moleiro, farto de a ouvir disse-lhe um dia:
— Queres o oiro?... Anda comigo buscá-lo ao palácio da moira. Chegados lá, disse:
— Deita-te à água.
— Tu é que te deves deitar..
— Então agorantes estavas tão afoita e agora já te não atreves?... Pois só lá vou se tu fores também.
Como ela se não afoitou, foram para casa, ela nunca mais lhe falou no oiro e dai em diante viveram bem.
Tiveram dois filhos Quando o mais velho chegou a homem, começou a andar triste e pensativo, ate que pai lhe perguntou o que o afligia?
— É que a minha sina dá-me ser afortunado e eu quero ir em cata da fortuna.
— Ó filho — respondia o pai — tens pão para comer, roupa para vestir e em eu morrendo fica-vos o moinho que vos há-de dar para viver como me tem dado
a mim…
Mas o moço continuava naquela cisma:
— Quero ir à procura da fortuna que a sina me dá.
Compre-me vossemecê um cavalo para eu correr mundo.
O pobre do pai foi então buscar o oiro que em tempos trouxera de casa da moira, com ele comprou um cavalo e dois cães que eram dois leões, e o filho lá foi…
Havia por esse tempo, lá para longes terras, uma mata fechada onde andava uma bicha de sete cabeças que comia gente a eito, como as galinhas comem milho, e para que ela não viesse aos povoados fazer mortandade, todos os dias se deitavam sortes por números para ver quem tinha de ir à mata ser comido pela serpe, e um dia calhou essa sorte infeliz à filha do nosso rei!
Ia o filho do moleiro a passar perto da mata quando viu uma menina vestidinha de preto a chorar.
Ele não sabia quem era nem quem não era, mas ela ali lhe contou que era a filha do rei e ia ser comida pela bicha. Disse-lhe o moleiro que subisse para o cavalo, que iria com ela ao encontro da serpe, mas ela não queria: achava que só a si caira a má sorte. Então o moleiro tomou-a pela cinta, pô-la em cima do cavalo e enfiou na mata. A bicha apareceu; ele, ajudado pelos leões, cortou-lhe com a espada as sete cabeças; cortou também um bocado do vestido à menina sem que ela visse e embrulhou nele as sete línguas que tirou às cabeças da bicha.
Foram se embora, e, quando chegaram ao lugar em que cada um devia seguir o seu caminho, a princesa queria ir com o filho do moleiro, pois ele lhe tinha
salvado a vida. Mas ele disse que não, que fosse para casa do pai, que mais tarde lhe daria notícias.
Quando o rei viu a filha nem queria acreditar nos seus olhos Mandou fazer grandes festas e lançar um pregão para saber onde se encontrava o salvador da
princesa, pois lha queria dar em casamento.
Um falsário foi a mata, levou as cabeças da bicha e apresentou se ao rei dizendo que foi ele que a matou. A princesa bem dizia que não era aquele, mas o
rei, como via as cabeças, não lhe dava ouvidos e mandou preparar a boda com grandes festejos.
O filho do moleiro soube-o, e foi então que se vestiu de pobre e foi ter à porta do palácio, dizendo que queria falar ao rei, mas os criados não o deixaram entrar, pois o rei nesse dia não falava a pobres de pedir. Ele deixou-se ficar à porta, e, quando saiu o ajunto, a princesa viu-o e logo ali declarou que era ele o matador da serpente e que era com ele que queria casar.
O rei não acreditou e disse que a princesa casaria com aquele valente que tinha trazido as sete cabeças que ali estavam.
O filho do moleiro respondeu:
— Real senhor: as cabeças não têm línguas — e mostrou então as sete línguas embrulhadas no bocado de pano que dava certo com o que faltava no vestido preto da princesa.
Tudo ficou suspenso! o falsário fugiu, e então o rei ali declarou que o que tinha as línguas e o bocado do vestido era o matador da bicha, e a princesa era a sua esposada.
… E foi assim que o filho do moleiro do rio Ovil casou com a filha do rei. O encanto que o oiro tinha deu-lhe a fortuna, mas ela não é para todos: o irmão, coitado! lá continuou sempre a carregar com os foles da farinha pelos carreiros da beira do rio...
- Source
- PINTO, Maria Luisa Carneiro Por Terras de Baião Porto, sem editora, 1949 , p.174-179
- Place of collection
- BAIÃO, PORTO