APL 906 O calhau da moira
Na aldeia de Arcossó, próxima da estância termal de Vidago e pertencente ao Concelho de Chaves, há, junto do Rio Tâmega, uma fraga chamada Calhau da Moita.
A razão deste nome dá-no-la esta lenda que os seus habitantes criaram e continuam a transmitir, através dos tempos, de geração em geração.
Segundo a lenda, havia, em Arcossó, uma jovem pastora, que todos os dias ia para junto do rio com o seu rebanho de ovelhas.
Para aproveitar melhor o tempo, costumava fazer meias de lã, para a família calçar durante o inverno.
Um dia, estando ela ocupada na sua tarefa habitual, sentiu um leve rumor de passos, vindos do outro lado do rio. Levantou os olhos e viu uma senhora muito bonita, vestida com um manto de seda branco e calçada com sapatos de veludo carmesim.
A senhora foi sentar-se sobre uma enorme fraga, que estava mesmo junto ao rio e olhou para a jovem pastora, com um sorriso, para a tranquilizar.
Depois, levantou-se e começou a caminhar vagarosamente. Entrou no rio caudaloso e pôs-se a andar sobre as águas, como se pisasse terra firme.
A pastora seguia-a atentamente, com os olhos arregalados, muito admirada por ver que ela não se afundava, nem sequer molhava os sapatos.
Julgando que era um fantasma, começou a sentir medo. Quis fugir, mas não teve tempo, porque a senhora se abeirou dela e a deteve, dizendo:
- Sei que estás preocupada e receosa, mas não tens razão para isso, pois eu não venho para te fazer mal. Pelo contrário, quero-te ajudar.
Eu sou uma moira que o destino obrigou a morar dentro daquela fraga, onde me viste sentada. Sou muito rica, mas não sou feliz. De bom grado distribuirei a minha riqueza por ti e por quem me quebrar o encanto.
A empresa é muito difícil e muito arriscada, porque é necessário matar dois leões ferozes que me retêm ali prisioneira: tu não o podes fazer, mas podes contribuir para isso, se fizeres o que eu te vou pedir.
Vai à tua terra dizer que nesta fraga mora uma moira muito triste, à espera de quem a venha desencantar. Quem o conseguir receberá tantas libras de oiro que não as poderá contar.
Mas, antes, dá-me uma malga de leite das tuas ovelhas, para lhe experimentar o sabor.
A pastora ouviu-a com toda a atenção e prometeu-lhe fazer tudo o que ela pediu. Encheu a malga de leite das ovelhas, que deu à moira, e preparava-se para partir, quando ela a deteve dizendo:
- Espera. Toma lá esta caixa, em paga do leite saboroso que me deste e da ajuda valiosa que me vais dar. Mas não a abras, sem cumprir a tua promessa. Agora, podes partir.
A jovem pastora dirigiu-se logo para a aldeia, disposta a dar cumprimento ao que prometera. Mas, no meio do caminho, não resistiu à tentação de ver o que estava escondido na misteriosa caixa.
Na esperança de encontrar nela muitas libras de oiro, que a moira dizia ter com tanta abundância, abriu-a e verificou que, afinal, tinha apenas algumas rodelas de carvão.
Desiludida e revoltada contra a moira por a ter assim enganado, pegou nelas e arremessou-as ao chão.
Nesse mesmo instante, reapareceu a moira que apanhou as rodelas de carvão, as transformou em oiro reluzente e disse, com ar sombrio:
- Todo este oiro era para ti, se tivesses feito o que prometeste. Mas, como faltaste ao prometido, continuarás a ser uma pastora pobre e eu uma moira encantada.
Então, a pastora regressou à sua aldeia, triste, por ter sido curiosa,
e a moita voltou a sua fraga, mais triste, por ver o seu encanto dobrado.
E lá continua, na imaginação dos habitantes de Arcosso, que souberam da sua existência pela pastora, mas nunca tiveram coragem para a desencantar.
- Source
- FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis Vila Real, Edição do Autor, 1999 , p.42-44
- Place of collection
- Arcossó, CHAVES, VILA REAL