APL 659 Campainha de Bronze
A caminho de sua casa, subia, monte acima, despreocupadamente, por mal demarcada vereda, honrado morador da freguesia de Santa Maria do Castelo de Monsanto.
Temente a Deus, ouvia falar, desde que se lembrava, em mouras que teriam ficado misteriosamente encantadas em grutas, em penedos e em vários esconderijos de Portugal, a guardar grandes riquezas, tesouros e preciosidades de valor incalculável!
Ali, entre rochedos sem conto do seu Monte Santo, algumas, no dizer do povo e segundo a tradição dos mais idosos, viviam também seu martírio, eternamente presas em seus encantamentos.
Mas ele duvidara sempre.
— Assim será, dizia o bem do monsantino sempre que lhe falavam do assunto, mas eu, só vendo, acredito!...
E subindo, subindo sempre, e pensando no poder incomensurável de Deus, na grandiosidade do panorama que tão longe alcança, voltou, na quietação profunda, na solidão imperturbável, dos penhascos nus e sem voz, a perguntar a si mesmo se haveria de facto mouras encantadas.
Nisto, ruído estranho saiu de uma lapa.
Parou e foi ver.
Com grande espanto, encontrou-se em presença de enormes riquezas, de um tesouro fantástico, deslumbrante!
Havia moedas de ouro sem conto e campainhas reluzentes em grande número.
— Tratar-se-ia de um dos tais encantos, das tais grandes riquezas das Mouras?
— Mas a Moura?
Pouco culto, mesmo rude, mirou e remirou todos os cantos da gruta, já agora disposto a acreditar na existência de encantamentos.
Por mais que mirasse e remirasse, não viu o mais pequeno sinal de vida.
E ao seu espírito voltou a grande dúvida...
— Estaria em presença de um tesouro mourisco? Poderia ele fazê-lo seu sem consequências?
Sempre ouvira dizer que para quebrar o encanto das Mouras eram precisos grandes sacrifícios. Seria ele capaz de os praticar?
Aproximou-se mais e pensou: se levasse ao menos uma campainha?...
E pegou numa!
Nisto, veloz como uma corça, saiu do fundo da lapa uma moura esbelta que em menos de um ápice estava sobre ele, pronta a pedir-lhe contas do seu acto.
Aflito, ofegante, a sua primeira resolução foi a de fugir, mas, mais veloz do que ele, a Moura tinha-lhe já deitado a mão e ia fazer-lhe pagar caro o seu atrevimento.
Na sua aflição e na sua fé, nada mais lhe ocorreu dizer do que:
— Nossa Senhora do Castelo me valha.
Aos seus ouvidos imediatamente soaram as seguintes palavras:
— Em bronze se te faça.
Subitamente, a Moura e os tesouros desapareceram, e a campainha, que era de ouro, transformou-se em bronze!
E o honrado monsantino, firme na sua crença e na sua fé na Virgem do Castelo, saiu da gruta são e salvo, e em suas mãos a recordação do seu atrevimento e do milagre da sua salvação.
Em sinal de gratidão, em testemunho do facto e para honra e glória da sua santa protectora, ofereceu a campainha para uso de sua capela, onde pelo rodar dos anos badalou em todas as funções em que tinha de tocar.
- Source
- DIAS, Jaime Lopes Contos e Lendas da Beira Coimbra, Alma Azul, 2002 , p.65-67
- Place of collection
- Monsanto, IDANHA-A-NOVA, CASTELO BRANCO