APL 1884 A Princesa Encantada em Cobra
Havia um moinho muito velho chamado da Torre. Diziam que apareciam lá medos e ninguém para lá queria ir habitar, até que foi para lá um moleiro mais a mulher morar; havia lá umas figueiras muito antigas. Debaixo das figueiras aparecia lá uma cobra muito grande com uns olhos muito ramudos, como os olhos de uma pessoa. O homem e a mulher viam-na, mas não tinham medo, não se assustavam; até que uma manhã de S. João apareceu uma menina muito linda, com um testo de ouro na mão a pedir uma brasa de lume, chamando-lhe vizinha. A mulher assustada veio à porta ver quem era; perguntou-lhe onde é que ela estava, que vinha chamando-lhe vizinha. Onde ela disse à mulher que era vizinha, porque estava ali encantada na raiz da figueira, havia já uma quantidade de anos, e que saía naquele dia de S. João, porque o encantamento lhe dava ordem de sair; que vinha feita uma mulher, mas daquele dia em diante só ali vinha a aparecer, ou feita numa cobra ou num carneiro, ou num touro, que só assim naquela forma aparecia, e que podia assustá-los, à mulher e ao tal dito moleiro, mas não lhe podia falar, porque só lhe aparecia assim feita bicho; o encanto não a deixava aparecer senão naquele dia de S. João. Onde a mulher do moleiro, muito assustada de ver uma menina tão linda, perguntou-lhe se não havia nada que lá a pudesse tirar, donde ela estava encantada. Ela, com muito desejo de sair de lá para fora, disse para a mulher que podia, querendo, a desencantar de lá: levando ela a mulher dentro de um lindo palácio, que ela tinha debaixo da raiz da figueira, onde ela tinha a morada; chegou ela a levar lá a mulher do moleiro para mostrar a riqueza que tinha. A mulher, vendo aquela riqueza, e prometendo-lhe ela ficar rica mais o marido, convenceu-se a querer desencantar a princesa.
Onde a princesa jantou nesse dia com o moleiro e a mulher dele, e almoçou; e afinal muito contentes se encontravam a princesinha mais o moleiro e a mulher, onde combinaram da maneira que havera de ser desencantada.
A princesa dizia que era desencantada em três noites, caso a mulher do moleiro tivesse coragem de não se assustar com o que visse; que a princesa mandava pôr ao pé de uma serra palha, que ela por pino da meia-noite lá haveria de aparecer feita de um carneiro. Parece que vinha para lhe marrar, mas chegou ao pé dela com aquela fúria com que vinha e ficou feito na princesa; agradeceu-lhe por aquela noite.
Depois na segunda noite veio feita num touro a berrar e a esgravatar, touro muito bravo; a mulher com muita coragem ameigou-o, levantou-o e o touro não lhe fez mal. Ficou outra vez a dita princesa falando com a mulher, agradecendo-lhe pela segunda noite. Dizendo-lhe a princesa para ela que na terceira noite, na última vez, é que era o mais perigo: vinha feita numa serpente e enrolava-se em volta da cintura e devia dar-lhe um beijo na face esquerda; que não se atemorizasse, que ela não lhe fazia mal. A mulher assustou-se, quando ela lhe foi para beijar a cara, e ia para lhe tirar os santos olhos ela apertou-a e matou-a, e ela disse-lhe: «Ah! Tirana, que me dobraste o meu encantamento». E ficou encantada por outra quantidade de anos.
- Source
- VASCONCELLOS, J. Leite de Contos Populares e Lendas I Coimbra, por ordem da universidade, 1963 , p.231-233
- Place of collection
- BEJA, BEJA
- Informant
- Simplícia Maria das Dores (F), BEJA (BEJA),