APL 1583 A Moura de Alcoutim

Em um dos mais altos serros da freguesia de Alcoutim, a dois quilómetros de distância desta vila, nas margens do rio Guadiana, existem os vestígios de um antiquissimo castelo, cuja fundação é geralmente atribuída aos mouros.
 É sabido que a actual vila de Alcoutim é uma povoação muito antiga. Não podemos indicar em que tempo foi fundada e por quem construída, como não sabemos de outras povoações mais notáveis. Sabe-se que foi honrada com o título de vila por D. Afonso IV, e dotada com um foral em tempo de D. Manuel, em 1520.
 Foi esta vila que recebeu em seu seio os dois monarcas, D. Fernando,
o formoso, e D. Henrique, de Castela, e nela se ajustaram as pazes entre os dois contendores.
 Sem nos preocupar a circunstância de ter sido erecto nesta vila um
condado em favor dos primogénitos do marquês de Vila Real, entremos
no assunto da lenda, que corre naquele sítio.
 Na parte mais elevada do serro, onde os vestígios do referido castelo se encontram, está encantada uma desditosa moura. A lenda que a seu respeito corre tem tanto de antiga como de temível. Esta lenda é ainda hoje o assombro dos medrosos, que têm de passar por ali alta noite. Diz a lenda que no local próximo do castelo existe a infeliz, acompanhada de um grande tesouro.
 Muita gente tem tentado desencantar a moura com a esperança de haver à mão o tesouro; mas quando pensa pôr em execução o seu desejo, sente enfraquecer-se-lhe o ânimo, falta-lhe por completo aquele valor necessário para se tirar o esperado prémio das empresas grandiosas.
 É que realmente a empresa oferece grandes obstáculos. Diz a lenda
que a moura só pode ser desencantada mediante uma luta entre o curioso e um monstro, ficando este vencido.
 E assim é. Próximo do castelo existem duas azinheiras, cujos troncos carcomidos pela acção dos tempos, atestam a sua antiguidade. É junto desses troncos que paira a moura e é ali que se deve ferir o combate.
 Ignora-se a razão porque a moura ali jaz encantada, mas é sabido o processo que deve ser empregado para o seu desencantamento.
 Segundo a aludida lenda, quem quiser efectuar o desencanto da moura tem de se apresentar no dia 17 de Março, à meia noite, junto dos dois troncos armado simplesmente de armas brancas. Então aparecer-lhe-á um monstro enroscado, talvez um dragão, ou uma serpente de fabulosas dimensões, sibilando furibunda, exactamente como o apito do comboio ao anunciar o seu afastamento das estações.
 A este tempo deve o homem estar convencionalmente preparado e disposto a dar-lhe o golpe certeiro e firme, tendo por certo que, se fôr feliz e ferir no lugar próprio o monstro, ficará desencantada a moura, e ele na posse do grandioso tesouro, se, porém fôr infeliz.., adeus riqueza... o infeliz será imediatamente tragado e devorado pelo monstro.
 Não obstante ser extremamente apetecível o prémio, ainda até hoje ninguém aparecera a terçar armas com o monstro. E a infeliz lá continua encantada, esperando que alguém a vá desencantar, e carpindo-se de lhe não aparecer um homem que por uma formosa mulher seria capaz de se medir com um bicho.
 Estou convencido de que se fosse permitido desencantar a moura a tiro, já o bicho teria apanhado o seu balácio, arremessado por arma caçadora de algum lavrador dos sítios próximos escondido de traz de qualquer valado. E porque o não mataria um guarda da alfândega?

Source
OLIVEIRA, Francisco Xavier d'Ataíde As Mouras Encantadas e os Encantamentos do Algarve Loule, Notícias de Loulé, 1996 [1898] , p.203-204
Place of collection
Alcoutim, ALCOUTIM, FARO
Narrative
When
19 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography