APL 343 A moira encantada
E, ainda hoje, se lá fores, vais ouvi-la chorar! Não! Não me digas que é apenas a água escorrente, sussurrando a frescura das raízes debaixo da rocha! E a moira... a moira encantada... tecida e fiada pelos medos mágicos das lenheiras de além-tempos. E chora! Um choro doce e triste, resignada com a sua dura missão: ser a guardiã cativa dos segredos da montanha da Cuca-Macuca!
Lá para as bandas do Oriente, terras de ninguém, ergue-se um alto penedo e, nas suas entranhas, prisioneira dos séculos, vive a moira, encantada por um fado sem tempo, guardando um misterioso e magnífico tesoiro. Ela passa pelos tempos, mas os tempos não passam por ela... Sua juventude é eterna, suas lágrimas não têm fim...
Num tempo em que o tempo não tinha nome, a moira saía do seu cativeiro e passeava pelos bosques de mimosas e medronheiros amedrontando os homens da aldeia que fascinados e aterrados, estacavam, perplexos no meio das trilhas orladas de urze rasteira. Surgia num repente, do nada, envolta num halo inebriante de magia e mistério... A sua voz, qual sereia sibilante, deixava petrificados e encantados os homens da terra. As suas suaves e sussurrantes palavras misturavam-se com o rumor das serras, numa harmonia perfeita com o murmúrio das fontes, com o cantar dos montes.
“Nos meus cabelos está o meu encanto... encanto nos meus cabelos… meus cabelos… encanto...”
Os habitantes do vale, assustados e maravilhados com tão magnífica aparição, corriam a contar o que tinham visto. Corria na aldeia o rumor de que a moira guardava um tesoiro imenso nas entranhas da serra e que só aquele que lhe conseguisse cortar os cabelos, quebrando o encanto, alcançaria o tão fadado tesoiro!
Uni dia, três jovens do vale de S. Pedro da Cova, cegos pela cobiça e pelo desejo, decidiram penetrar nos bosques encantados e subir até ao penedo da moira, acreditando que conseguiriam o poder sobre o mágico tesoiro.
À medida que se embrenhavam na floresta, o céu foi-se carregando de tons negros e cinzentos. Um silêncio aterrador inundou as serras, os pássaros não chilreavam e as folhagens das árvores não mexiam, antes se erguiam, silenciosas, como fantasmas nevoentos. Mas os três amigos ignoraram os avisos mudos da mãe serra e continuaram a escalada em direcção ao maninho, à terra de ninguém. E foi então que, num repente, desabou sobre eles violenta tromba de água, o vento raivoso e gélido vergou as árvores do caminho, e a terra tremeu, e a serra gemeu, gritou, abriu-se em sulcos fundos, engolindo dois dos invasores. Um deles sobreviveu à tormenta, arrastando-se penosamente até à aldeia. Porém, não mais falou, tresloucado pelo que tinha visto. Morreu passados poucos dias.
A partir desse dia, nunca mais alguém ousou quebrar o encanto da moira e violar os tesoiros fulgurantes que esconde. A moira não mais saiu das entranhas do seu penedo para tentar os homens que por ali passavam.
Quem se aproximar do penedo e escutar com atenção, consegue ouvir o choro da moira correndo sem cessar...
Durante séculos e séculos a moira chorou esquecendo-se de guardar o tesoiro... Acorda, moira! Pára de chorar. Não ouves os gritos lancinantes da serra agonizante? O tesoiro da Mãe Serra que tão penosamente guardas extingue-se a pouco e pouco e transforma-se em cinzas espalhadas pelo vento… pelo tempo... pelo Homem que nelas penetrou e destruiu.
As pérolas cor de sol das mimosas... onde estão?
Os raros medronheiros carregados de rubis maduros?
Os loureiros? O azevinho, pingando pérolas escarlates?
Os ribeiros escorrendo a seiva da Serra?
O negro carvão, saído das entranhas fecundas, acabou, moira...
Enquanto tu, ó moira, choravas, quebrou-se o teu encanto mítico...
E a Serra está nua...
Em todos os verões o fogo é ateado...
E as cinzas voam ao vento!
Acorda moira! Teus tesoiros foram violados!
Ergue-te dos tempos e grita bem alto que a Serra não pode morrer!
E ainda hoje, se lá fores, vais ouvi-la chorar! Não! Não me digas que é apenas água escorrente, sussurrando a frescura das raízes debaixo da rocha! É a moira… A moira encantada que está prestes a acordar!
- Source
- S/A, . Lendas de Gondomar Gondomar, Câmara Municipal de Gondomar, 1995 , p.11-13
- Place of collection
- São Pedro Da Cova, GONDOMAR, PORTO
- Informant
- Fernanda Albertina da Costa Correia (F), 22 y.o.,