APL 701 A lenda de bela mandil

Em tempos que já lá vão,
Diz a lenda, não sou eu,
Em Mandil, à beira mar,
Linda moirinha viveu...

O seu castelo doirado
Era uma estrela do céu,
Que, em tempos, desceu à terra,
E na terra se perdeu...

Tinha janelas de luz
Que um poeta entonteceu...
E mais diz também a lenda
Que outra gente ali morreu...

E morreu, sem que soubesse
Porque morria, Deus meu...
E até um cantor alado,
Na noite, desapar’ceu,
 
Que o castelo era guardado
Por quem da Fé se perdeu.
E a moirinha, triste dela,
Nem sabia o que era seu...

Nunca, em sua vida breve,
O luar a conheceu;
E tantas vezes a lua
A seus pés adormeceu...

Foi o pai, filho de Allah,
Que no castelo a prendeu,
 Que não qu’ria que outra gente
Lhe desse amor mais que o seu.

*
Eram as rosas mais belas,
Quando a noite escureceu,
E por uma escada de ouro
Alguém, de longe, desceu.

Era forte e era jóvem
E o que sabia aprendeu
Na guerra que, à sua Fé,
Seu corpo sempre se deu.

Seus olhos eram mais negros
Que a noite escura de breu,
Mas davam mais luz, decerto,
Que sol algum nunca deu.

E o sorriso que ele tinha!...
Ah! ... que sorriso era o seu,
Que a moirinha assim que o viu,
Sòzinha, ali, se perdeu.

Deitou-se nos braços fortes
Daquel’ que seria seu;
Fechou os olhos, sorriu,
E tão pronto adormeceu.

Já o príncipe cristão,
Diz a lenda, não sou eu,
Subia a escada de ouro,
Por onde há pouco desceu.

Subia e assim levava
A Fahtma que se perdeu
Por amor que à fé de Cristo,
Logo ali, a converteu.
 
* *
Iam já longe, tocando
Quase as estrelas do céu,
Quando o pai, filho de Allah,
No seu leito estremeceu.

E o rumo de amor que o príncipe
Pelos astros empreendeu,
Por força não sei de quem,
Ali parou e morreu.

Foi assim um sonho lindo
Que dentro deles viveu;
Mas Allah, o deus dos moiros,
Os dois, em pó, converteu.

E mais diz a lenda, agora,
Que onde o castelo se ergueu
Um ribeiro todo seco
Logo ali apareceu,

Porque a água, se água havia,
Vez alguma mais correu.
E tudo quanto era flor,
Tudo, tudo lá morreu.

Passou o tempo correndo,
Sobre as estradas do céu,
E nunca mais ninguém soube
O que ali aconteceu.


*
Mas a lenda a mim contou
O que depois se viveu,
Naquele lugar maldito
Que Allah em terror verteu.

Eram as chuvas e os ventos
E as tempestades do céu,
Que vinham, por horas mortas,
Blasfemar por quem morreu.

Era o rouxinol mavioso
Que o seu canto emudeceu;
Era o perfume das rosas
Que p’ra sempre se perdeu.

Todo aquel’ que lá foi ter,
Parou, chorou e morreu,
Porque a terra era maldita,
Ninguém mais ali viveu.

* *
E passaram anos mil,
Diz a lenda, não sou eu,
Que ao sítio que era Mandil
Outro nome se lhe deu,

Para que a história do tempo
Que ninguém nunca aprendeu,
Ficasse para narrar
O que ali aconteceu.

BELA MANDIL é chamado
Agora, meu Deus do céu,
O jardim onde a moirinha
Viveu, sofreu e morreu.

Source
LOPES, Morais Algarve: as Moiras Encantadas s/l, Edição do Autor, 1995 , p.16-20
Place of collection
OLHÃO, FARO
Narrative
When
20 Century, 80s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography