APL 1346 Os sinos da igreja da Luz
Os sinos da igreja da Luz tinham um som tão melodioso que tocavam a alma de quem os ouvia a chamar para a missa de domingo ou a anunciar os casamentos e baptizados. Ou porque eram de material muito especial ou por outra razão desconhecida, tinham realmente um som diferente e todos os da Graciosa sentiam isso.
O ouvidor eclesiástico, sabendo de tal, achou que uns sinos daqueles deveriam estar na sineira de uma igreja mais imponente: a Sé de Angra ou talvez o Convento de Mafra.
Se mal o pensou, pior o fez. Deu ordem para que os sinos fossem tirados da sineira onde sempre tinham estado. As pessoas ficaram tristes e zangadas, mas não ousaram levantar palavra contra essa decisão superior.
Os sinos foram retirados da sineira por vários homens e carregados para o carro de bois, que estava preparado junto ao primeiro degrau da escadaria da igreja.
Começaram a tocar os bois, mas eles não levantaram pé. Os homens incitavam-nos com palavras, picavam-nos com as aguilhadas, davam-lhes verdascadas com bordões de marmeleiro, mas nada. Os bois continuavam parados como se estivessem presos ao chão. Tentaram por três vezes iniciar a viagem, porém o resultado era sempre o mesmo: os bois não saíam dali.
O ouvidor eclesiástico não desistiu do seu intento e, a todo o custo, levaram os sinos até ao barco. Porém, sempre que pretendiam largar do porto, o mar embravecia de tal modo que os corajosos marinheiros não se arriscavam a partir. Fizeram várias tentativas, mas o mar parecia sempre estar contra a saída dos sinos da Graciosa.
Sem outra escolha e, compreendendo que era a vontade de Deus, o ouvidor eclesiástico cedeu. Voltaram a pôr os sinos na torre da igreja e de lá continuaram a alegrar a freguesia da Luz com o seu som único.
- Source
- FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.181
- Place of collection
- Luz, SANTA CRUZ DA GRACIOSA, ILHA DA GRACIOSA (AÇORES)