APL 139 Lenda do sino dos santos idos
Quando os Mouros vieram para Portugal e chegaram ao Sátão — já lá vão tantos anos que nem podem contar-se, ao chegarem aqui, roubaram o sino da igreja e levaram-no para o seu castelo, que era lá baixo, nos Santos Idos.
Fecharam-se as portas da igreja e nunca mais na torre o sino do Sátão se ouviu, tal a saudade. Saudades da gente pelo sino e saudades do sino pela gente e pela sua igreja. E assim se passaram muitos anos e algumas gerações.
Mas, quando os Mouros foram definitivamente vencidos e subjugados, os cristãos, correndo aos Santos Idos, foram lá encontrar uma coisa maravilhosa. Um sino de ouro, O sino que os Mouros tinham roubado e de que os avós e trisavós lhes falavam com tanta emoção.
E tocava tão bem, tão bem, tão bem, que mal a notícia chegou a Viseu, os cónegos da catedral deram logo ordem: o sino do Sátão tem de vir para a Sé.
E assim foi. Cavaleiros emplumados pegaram no sino, amuado e confrafeito, e levaram-no para Viseu.
Ao chegar à cidade, o adro da Sé era uma colmeia. Todos queriam ouvir o sino de ouro do Sátão.
Mas, posto na torre, e bimbalhado pelo sineiro do cabido, o sino não tocava. Insistiam com mais força. Mas o resultado era o mesmo, não tocava absolutamente nada.
Se não toca, não presta. Parece de cortiça. Atirem com ele lá abaixo. E mandem dizer para o Sátão que o venham buscar, porque não vale nenhum.
Foi o que no Sátão quiseram ouvir. Ajazeados o melhor que puderam, com os melhores cavalos e mulas, correram a Viseu.
Pegaram no sino, atirado da torre abaixo, e toca, São João da Carreira em fora, a caminho da sua terra.
Passaram por Mundão, e o sino calado. Passaram por Cavernães, e o sino, na mesma, sempre mudo, como criança que, triste, não pode cantar. Mas quando chegaram às alturas da Barraca e se começou a ver a torre da igreja do Sátão, oh maravilha! o sino, espontaneamente, como que acordando, começa a tocar, a tocar, a tocar tão bem que, ouvindo-o, as pessoas correm para a estrada, a cavalo ou a pé, formando-se uma grande procissão até à igreja paroquial.
E posto na torre, o sino continuou a tocar, a tocar sempre, até que, já de noite, o arraial se amainou e se apagaram as últimas candeias de azeite nas lareiras e nos casais. E nunca mais deixou de tocar assim.
E é por isso que ainda hoje se diz que não há no mundo sinos que toquem tão bem como tocam, os do Sátão.
- Source
- SOUSA, Albano Martins de Terras do Concelho de Sátão Satao, Câmara Municipal do Concelho de Sátão, 1991 , p.338-339
- Place of collection
- SÁTÃO, VISEU