APL 1061 Uma mortalha pesada a ouro

As obras de (re)construção da ponte sobre o rio Tâmega, para além de duras e demoradas, eram muito dispendiosas.
 Frei Gonçalo batia a todas as portas vezes sem conta e, se uns davam alimentos e dinheiro para bens essenciais outros davam trabalho braçal. Mas, há sempre um mas, havia famílias destes trabalhadores que precisavam de ser alimentadas, agasalhadas e cuidadas — eram muito pobres — para além das despesas com materiais e ferramentas que se iam desgastando e urgia a sua substituição. Em suma, era preciso dinheiro ou algo que fosse transformado em dinheiro.
 Um belo dia andava Frei Gonçalo na angariação de fundos quando se cruza com um grupo de caçadores. Cumprimentou-os com um “salve-os Deus” e quando lhe perguntaram o que o levava a andar por aquelas bandas, Frei Gonçalo, retorquiu-lhes dizendo que ia à feira na tentativa de angariar fundos para as obras da ponte. Do grupo dirigiuse-lhe um homem, de forte estatura e voz grossa, que metendo os dedos no bolso do colete e desculpando-se por não trazer dinheiro rabiscou umas palavras numa mortalha, dobrou-a muito bem dobrada e disse-lhe:
 - Vai a minha casa e entrega isto à minha mulher.
 Gerou-se uma gargalhada geral de sarcasmo por parte dos companheiros do fidalgo que, virando as costas ao frade, continuaram a caçada.
 Frei Gonçalo agradeceu, meteu a mortalha no bolso e seguiu caminho até à feira de Padrões da Teixeira.
 Na volta foi à torre do fidalgo — que bem conhecia — e pediu para chamarem a senhora e entregou-lhe a mortalha. A fidalga ao ler o que nela estava escrito riu-se a bandeiras despegadas e disse:
 - Frei Gonçalo que ingenuidade… esta mortalha nada vale.., nada pesa... não quer antes uma moeda?
 Fez um gesto de aceno e entregou ao frade a mortalha para que pudesse ler o que nela estava escrito “dareis a este frade inocente para a sua ponte tanto dinheiro quanto pesar este papel”, ao que Frei Gonçalo retorquiu:
 - Senhora, mandai vir uma balança e cumpra-se o que sua senhoria vosso marido manda que se faça, que eu me dou por satisfeito com o que daí aprouver.
 D. Loba chamou os criados e mandou que lhe trouxessem uma balança. Frei Gonçalo colocou num prato a mortalha e a balança descaiu. A fidalga, rindo do gesto, tirou um grosso anel do dedo, colocou-o no outro prato e a balança não se mexeu. Admirada tirou um pesado cordão que trazia ao pescoço e a situação manteve-se. Seguiram-se outros anéis, castiçais, candelabros, alianças, arrecadas, até que todo o ouro e dinheiro que possuía já estavam na balança e esta sem se mexer. Como não tinha mais dinheiro, ouro ou prata para colocar na balança ficou muito transtornada. Mandou aos criados verificarem se a balança estava travada ou avariada ao que eles retorquiram:
 - A balança está boa. Vossa senhoria não vê como ela tareia quando lhe tocamos?!
 Nada mais tendo tudo entregou a Frei Gonçalo que vendo que a quantia era bastante para colmatar as necessidades tudo meteu no saco e, agradecendo a esmola à desagradada e arreliada fidalga, regressou à sua ermida.
 Trocado o ouro e a prata, o dinheiro daí resultante, foi suficiente para acabar as obras da ponte.

Source
PATRÍCIO, António Lendas de S. Gonçalo e de Amarante Amarante, Paróquia de S. Gonçalo, 2009 , p.31-32
Place of collection
Amarante (São Gonçalo), AMARANTE, PORTO
Narrative
When
13 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography