APL 916 Santa anacleta
Vidoedo, pequena povoação do Concelho de Vila Pouca de Aguiar, tornou-se conhecida na região aguiarense, não só pelo destemido pastor que passou à história, com galões de capitão, por ter expulsado os ocupantes do castelo do Pontido, mas também por uma humilde mulher que ali viveu os seus últimos anos e morreu com odor de santidade.
De origem desconhecida, apareceu por lá numa tarde sombria de Outono e por ali ficou, até entregar a sua alma ao Criador.
Tão misteriosa como a sua proveniência, era a sua vida quotidiana, na aldeia. Não se abria com ninguém. Apenas conseguiram arrancar-lhe o nome: Anacleta, simplesmente.
Não tinha casa: dormia no adro da capela de Santa Ana, Padroeira da povoação, debaixo do vão da porta principal.
Mal rompia a manhã, antes que os vizinhos acordassem, levantava-se, despedia-se da Santa Ana e abalava para as Fragas da Relva, situadas numa colina, sobranceira à povoação, escolhendo sempre os atalhos menos frequentados, para evitar encontrar-se com quem quer que fosse.
Ali passava os dias, junto duma fonte rumorejante, entre urzes e carquejas.
Dizem que falava com Deus, com os animais e com as avezinhas.
Comia o que dava a natureza, bebia água da fonte e respirava o ar puro da montanha.
Algumas vezes, não chegava a subir ao alto: ficava-se pelo vale, no lugar chamado Veiga das Mãos.
Quando as sombras da noite começavam a cobrir os caminhos pedregosos e os aldeões já estavam recolhidos em suas casas cobertas de colmo, regressava ao seu abrigo, no adro da capela, sob a protecção de Santa Ana.
No Inverno, se a chuva ou a neve a impediam de subir à montanha e a natureza lhe negava os meios de subsistência, dirigia-se, com ar envergonhado, à casa do capitão, onde nunca faltava o pão de centeio e o caldo de castanhas, para matar a fome dos que lhe batiam à porta.
As pessoas da terra, a princípio, olhavam-na com desconfiança e receio, julgando que seria alguma bruxa, capaz de fazer mal às crianças.
Mas, pouco a pouco, os seus receios foram-se dissipando e, vendo que ela era incapaz de fazer mal a uma mosca, começaram a olhá-la com admiração e respeito.
Havia até quem afirmasse que ela fazia milagres, como refere Camilo Castelo Branco na sua obra Mistérios de Lisboa, chamando-lhe Anacleta dos Milagres.
Um dia, Anacleta saiu, como costumava, para o seu retiro habitual e nunca mais voltou.
O povo, notando a sua ausência, foi ao monte procurá-la e encontrou-a morta no Vale das Mãos.
Preparou-lhe um caixão com flores silvestres de que ela tanto gostava e sepultou-a ali mesmo, já que era ali que ela gostava de estar e foi ali que Deus quis que ela acabasse os seus dias.
Mas, segundo a tradição, não esteve lá muito tempo, porque uns soldados desconhecidos a desenterraram e levaram para Lisboa.
Apesar disso, o lugar onde ela passava parte dos seus dias e onde esteve algum tempo sepultada, ficou para sempre assinalado com o perfume das rosas silvestres, que o povo atribui à sua santidade.
E, quando, na Primavera, o aroma das flores recende pelo ar, as pessoas dizem com orgulho:
O nosso vale cheira bem: é milagre de Santa Anacleta.
- Source
- FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis Vila Real, Edição do Autor, 1999 , p.73-74
- Place of collection
- VILA POUCA DE AGUIAR, VILA REAL