APL 1868 Quando o Diabo era barqueiro
Houve também um santo que fez das boas ao Diabo. Foi o Santo Hilário. Numa ocasião, estava o Diabo de barqueiro num rio [o rio Rabaçal]. E ao passar as pessoas de uma margem para a outra, mandava-as sempre despir. Se elas não quisessem, atirava-as à água.
Até que apareceu lá um homem chamado Hilário. Era o santo antes de o ser. O barqueiro deixou-o entrar para o barco e, quando iam a meio do rio, disse-lhe:
— Tens de te despir.
— Bô?! Com este frio?! — reagiu o passageiro.
— Qual frio?! Despe-te lá mas é, senão mando-te à água. E essa sim é que está fria — insistiu o barqueiro.
Por fim, o Hilário resolveu propor um acordo ao barqueiro:
— Então, fazemos assim: despimo-nos os dois. Mas primeiro tu.
— E quem é que segura o barco? — perguntou o barqueiro.
— Pássa-me p’ra cá os remos que o seguro eu!
O barqueiro aceitou e começou então a despir-se. Só que, mal o Hilário o apanhou em coiro, espetou-lhe um dos remos no cu e andou com ele às voltas, às voltas, até que o atirou pelo ar, e de tal forma que foi cair à margem do rio. E seguiu depois, muito descansado, com o barco para o seu destino.
Passado algum tempo, o Hilário foi bater à porta do inferno.
— Quem vem lá? — perguntaram.
— É o Hilário!
Mal ouviram o nome e a voz, os diabos fugiram todos, cheios de medo, e não lhe abriram a porta. Por isso o Hilário teve de voltar para trás. Sorte a dele. Assim tornou-se santo e já não precisou mais de ir bater àquela porta.
- Source
- PARAFITA, Alexandre Antologia de Contos Populares Vol. 1 Lisbon, Plátano Editora, 2001 , p.216
- Year
- 1998
- Place of collection
- VINHAIS, BRAGANÇA
- Informant
- Graciano Augusto Morais (M), 80 y.o., VINHAIS (BRAGANÇA),