APL 1070 Dores de cabeça por conta

Já a fama de S. Gonçalo extravasava todas as terras do reino de Portugal e ainda havia gente céptica e renitente em não acreditar nos prodígios que passavam de boca em boca e lhe eram imputados.
 Dois protagonistas para a mesma lenda.
 O primeiro foi el-rei Filipe I. Andava o povo de Amarante cansado de envidar esforços, perante sua alteza, no sentido de serem concedidos os reais necessários para o bom andamento das obras de construção do convento e, por “esquecimento” real, as verbas não havia meio de chegarem. Certo dia andava el-rei com um seu criado a passear nos jardins do palácio quando, repentinamente, foi acometido de fortes dores de cabeça a ponto de o fazerem soltar altos gritos e até desmaiar.
 Chamado o médico da corte procedeu de imediato aos tratamentos no sentido de aliviar sua majestade de tal sofrimento — sangrias para aliviar a pressão sanguínea no cérebro, e muitas mezinhas entretanto elaboradas a propósito — mas todos os esforços eram infrutíferos.
 Ao ver sua majestade em tão grande sofrimento o criado, muito choroso, pediu permissão para falar ao que o rei acedeu.
 - Saiba vossa alteza que talvez essas dores precisem da intervenção do Alto. Na minha terra quando alguém é acometido de dores de cabeça pede, com muita fé e devoção, a S. Gonçalo e elas desaparecem. Se vossa alteza assim o desejar eu rezo com vossa alteza e pode ser que S. Gonçalo oiça as nossas preces.
 El-Rei Filipe I ficou em silêncio, olhou para o criado e dirigindo-se aos presentes mandou que se retirassem e começou a rezar e mais o criado até que adormeceu.
 Fez-se manhã e o criado abriu os pesados reposteiros e cortinas. Os raios de sol entraram e bateram na cara de sua majestade fazendo-o acordar.
 Olhou o criado e disse:
 - Não me dói a cabeça ... estou curado...chama o médico e o meu secretário.
 Chegados os dignitários dirigiu-se ao médico dizendo que não precisava mais de tratamentos pois nada lhe doía. Ao secretário mandou que disponibilizasse as verbas necessárias para a continuação das obras do convento de Amarante e que nunca mais fosse esquecido o seu envio nos prazos estabelecidos.

 O segundo está relacionado com um abastado senhor que vinha há longos anos a contribuir, com uma gorda quantia, para as obras do convento. Certa tarde, aquando da visita dos responsáveis pela sua recolha, não os quis receber mandando-os embora sem o contributo acostumado.
 Nessa mesma noite lancinantes dores de cabeça o acometeram, fazendo-o tremer de tal forma que os dentes batiam como campainhas ao pescoço das vacas. A mulher ao ver o marido em tal estado e como o médico ficava a muitas léguas — a carroça demorava dois dias para cada lado — ajoelhou-se aos pés da cama e começou a rezar, em voz alta, a S. Gonçalo implorando-lhe o alívio e cura do marido. O homem, ao ouvir as preces, quase sem poder falar disse-lhe:
 - Não rezes a S. Gonçalo que Ele não te ouve.
 - Cala-te mas é...sempre ouviu os nossos rogos, não é agora que os não vai ouvir… reza comigo...
 - Desta vez não vai ouvir...hoje de tarde não dei o contributo aos homens para as obras e mandei-os embora sem a merenda...
 - O que tu fizeste! ...nem parece teu! ... pede perdão ao santinho e reza comigo, com muita fé e promete-lhe que darás o dobro do dinheiro até ao fim das obras e, no dia da festa, fazes um clamor.
 O homem rezou, prometeu e adormeceu.
 De manhã, quando acordou, as dores de cabeça e o febrão haviam passado.
 Ainda hoje é costume, os crentes, passarem a mão na cabeça do santo e depois na sua, como gesto de alívio das dores de cabeça e maleitas que aflijam o cérebro.

Source
PATRÍCIO, António Lendas de S. Gonçalo e de Amarante Amarante, Paróquia de S. Gonçalo, 2009 , p.51-53
Place of collection
AMARANTE, PORTO
Narrative
When
17 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography