APL 1068 De pães alvos a negros carvões
Acabadas as obras da ponte frei Gonçalo reinicia a pregação e doutrinação pelas aldeias serranas do Marão.
Chegado a um remoto lugarejo, quando se preparava para iniciar a pregação foi avisado de que os seus habitantes não eram apegados às coisas da igreja — muito pelo contrário.
Temor a Deus era coisa que não tinham e até zombavam daqueles poucos que cumpriam alguns mandamentos.
Frei Gonçalo avisado caminhou até ao meio do largo e começou a pregar. De quando em vez era interrompido, com palavras de sarcasmo e gestos obscenos, por uns quantos populares passantes.
Nada o demoveu continuando o sermão com imensas referências à excomunhão e aos efeitos que ela provocava na alma. Apesar dos esforços e da pertinência das palavras ninguém o levava a sério.
A dada altura surgiu à entrada do largo uma mulher com um açafate à cabeça — era uma padeira — cheio de pães molete, alvos e apetitosos.
Chamou-a e pediu-lhe que pousasse o açafate no chão e, virando-se para os descrentes ouvintes, disse-lhes:
- Quero que vejais neste pão os efeitos da sentença da excomunhão na alma de um desventurado.
Deitou os olhos ao céu e apontando para o pão disse:
- Eu, Frei Gonçalo, por parte de Deus excomungo todo este pão.
Ainda mal tinha acabado de dizer as últimas palavras já o pão — alvo e apetitoso — estava negro como o carvão.
Todos os presentes, de olhos muito arregalados, pasmaram de medo e fizeram profundo silêncio.
Continuou a pregação e, para provar o poder da absolvição para quem humildemente a procura, pediu que lhe trouxessem da capela do lugar, um pouco de água benta. Molhou os dedos e borrifou os pães pronunciando as palavras próprias da absolvição.
De imediato os pães voltaram a ser alvos e apetitosos e a padeira seguiu o seu caminho dando louvores e mercês a Deus.
- Source
- PATRÍCIO, António Lendas de S. Gonçalo e de Amarante Amarante, Paróquia de S. Gonçalo, 2009 , p.45-46
- Place of collection
- Amarante (São Gonçalo), AMARANTE, PORTO