APL 446 A stória do tobias
Havia um homa que se tchamava Tobias e era travalhador d’inxada. Naquele
tempo no interravam os mortos e deixévam-nos plo terreno afora. O homa vinha do travalho co a inxada e cando sintia alguma criatura que tinha morrido, sujêtáva-se a interrá-la e era proivido pla lei fazer aquele travalho. A mulher ralhava muito co ele:
— Homa, no faças isso; algum dia te darão a forca.
Mas ele continuéva. Ma bela noite interrou três e fez falta à mulher à hora que costuméva lá tchegar. Fechou-le ela a porta. O homa bateu à porta mas no pôde intrar. Ela no le quis acudir. Foi-se a dêtér pra um balcão. De noite as ondrinhas cagaram-l’a vista. Fecou cego. O outro dia, a gente que passava dezia:
— É ti’Tobias, atão vocemecê no foi a travalhar hõije?
— Stou ceguinho, no posso travalhar.
— Atão o que foi isso?
— Foi as ondrinhas que me cagaram na vista e fequê cego.
Vaia mulher e dixe-le:
— Atão no te dixe que t’havia de assuceder mal?
O Tobias tinha um pouco de denhêro que tinha imprestado. Já no tinha nada que comer, porque já stava ceguinho há anos. Dixe pró filho:
— É filho, tu vás aí à praça e précuras um rapaz qu’aí stá pra ires a vusquér o denhêro aonde ele stá imprestado.
O filho também se tchamaba Tobias, e foi e aparecê-le o rapaz e levou-o à pé do pai. O pai dixe-le:
— Faça favor de acompanhar o mê filho a fazer ma viaja.
— Vou, sa senhôr.
Dixe o filho:
— Mas êlhe qu’ê no sei aonde vamos.
— Mas é sei, dixe o rapaz.
E foram nos dois. Camenhéram e tchegaram ò ri Tigre. Andava lá um peixe coma um cavalo e diz o companhêro pró Tobias:
— Dêta a mão àquesse peixe e dêtó abaixo.
— Não, qu’ele àdepoi matava-me.
O rapaz dêtou as mãos à peixe e aventou co ele prà areia e o peixe morrê logo. E desde o tempo qu’os peixes sã mortos, cando saem prà areia.
— Agora tira-le o fel mête-o no bolso e tiras-l’àlgum peixe pra nos alementarmos. E agora tchegamos aonde stá um ti teu. O tê tio cando te lá vir fica muito sastefêto. Òdepoi, co a alegria de te ver manda-te fazer um jantar de luxo. Manda-te matar ma vetela e àdepoi, cando stevermos no jantar há-da resolver a que tu cases c’uma filha dele que se tchama Sara.
— Mas como é qu’ê hê-de casar c’uma mulher que no conhoço?
— Casarás, quem fala isso sou eu.
Òdepoi pujéram na mesa, assantaram-s’à mesa e jantaram. O ti do Tobias dixe: — Hõije, nem qu’ê tevera a requeza toda do mundo stava mai sastefêto do que stou im ver o mê sobrinho.
Dixe o rapaz:
— Agora tamém t’ê peço um favor pra fazeres à tê sobrinho: veja s’é da su vontade dar a su filha Sara pra casar co ele.
— Ai isso não, tudo menos isso.
— Mas tem de ser, tem d’acudir ò pedido que l’ê faço.
— A mnha filha Sara no a dou porqu’ela já foi casada seis vezes e sempre le morrem os maridos. Nunca tchega a drumir co eles, proqu’ela-i-é santa e a santedéde no pode consintir um pecado.
— Mas a su filha casa co primo e no se passa isso porqu’ele tamém é santo. Resolveram atão o casamento.
— O denhêro que deviam à tê pai cá vem a ter, dixe o rapaz pró Tobias. Casaram e steveram oit’dias à pé dos pais dela e à fim dos oit’dias partiram prà pé dos pais dele, aonde foram meses e meses de viaija. No mei’da viaija, tchegaram a um certo sítio e dixe o rapaz:
— A noiva vai a fequér pra trás e a movília e nós vamos prá frente.
Tchegaram-na casa e a mãe dezia pró pai:
— Ai Tobias, por via das tus asnêras fequéste cego, agora fecamos sim o noss’filho, que já há set’anos que por lá anda.
Cando eles tchegaram, a alegria foi tal, que nem sabiam o qu’havidam resolver. Dixe o pai:
— Atão, filho, demorastes-te por lá tanto que já contava contigo morto. Que foi isso? Teveste boa companhia? Aviéstes a vida?
— Lá foram a lovar-me o denhêro. A companhia qu’ê tive é um anjo de Noss’Senhôr.
— Atão agora como l’havemos de pagar?
— Êlhe, mê pai, nim que le desse o denhêro todo nim tudo canto há no mundo é le pagava.
— Vai a ver do companhêro pra le pagares.
Cando ele veio, dixe o pai:
— Canto l’havemos de dar de fazer a viaija c’o mê filho?
— É no posso lovar nada. Vêi lá tu, Tobias, o que tens no bolso. Tens lá o fel do peixe.
— Poi tenho.
— Agora sfrega c’o fel do peixe ò tê pai.
Ele assim fez e o pai fecou a ver coma que nunca tinha sido cego. Tornou o rapaz:
— É só quero que tu vivas mai tê pai coma tendes vivido inté-i-aqui. É sou o anjo da guarda, que Noss’Senhôr m’inviou à tê lado pra t’acompanhar e pra te guiér às últemos dias da tu vida. O tê pai é um santo: interrou muitos mortos e os trou da boca dos cães.
- Source
- BUESCU, Maria Leonor Carvalhão Monsanto, Etnografia e Linguagem Lisbon, Editorial Presença, 1984 [1958] , p.128-129
- Place of collection
- Monsanto, IDANHA-A-NOVA, CASTELO BRANCO
- Informant
- Antónia Zefa (F), Monsanto (IDANHA-A-NOVA),