APL 176 Os Presos de S. Julião da Barra

Ainda se encontrava em construção a fortaleza de S. Julião da Barra, quando, em 1580, o reino de Portugal passou a ter um monarca castelhano — Filipe I — que, para impor os seus alegados direitos à coroa lusa, antes de as Cortes de Tomar o declararem legítimo rei, teve de recorrer a força militar e à devassa, esmagando a resistência activa e passiva dos desafectos à sua causa. A mais dura repressão se abateu obre os poucos nobres e o muito povo e baixo clero que lhe eram hostis. A fortaleza de S. Julião da Barra, então, sem abandonar o seu carácter militar de defesa da Barra de Lisboa, encetou a malsinada carreira de presídio político e militar que viria a terminar só neste século.
 Os esbirros do novo monarca atiraram para os frios, húmidos e insalubres cárceres, quais cavernas, nos subterrâneos da fortaleza, rés da água, os opositores, entre os quais muitos sacerdotes, regulares e seculares, que mesmo ali eram sumariamente julgados e alguns — talvez muitos — sentenciados ao supremo castigo, sendo lançados ao mar. Só entre eclesiásticos, Filipe I terá mandado executar, em todo o território, cerca de 2.000 — crimes para que lograria obter a absolvição papal.
 Mas quem não teria absolvido as decisões régias e os actos dos seus verdugos foi a natureza. O mar repudiou e condenou a barbaridade: as redes dos pescadores deixaram de capturar peixe, que abandonou estas piscosas águas, e, em contrapartida, passaram a trazer partes dos corpos dos pobres sentenciados. Temerosos, já nem os pescadores queriam ir à faina e, quando alguém mais afoito, descrente da maldição que atingira as aguas, se aventurava e colhia algum peixe, não encontrava comprador.
 Espalhou-se então a crença que o mar da Barra estava excomungado. Para trazer a tranquilidade à assustada população, foi preciso vir a Oeiras o arcebispo de Lisboa, D. Jorge de Almeida, exorcizar o mar com o necessário e solene cerimonial. Só depois cessou o horror e o peixe voltou. Acabara a profanação daquelas águas. 

 

Source
MIRANDA, Jorge Viagem pelas Lendas do Concelho de Oeiras Oeiras, Câmara Municipal de Oeiras, 1998 , p.12
Place of collection
Oeiras E São Julião Da Barra, OEIRAS, LISBOA
Narrative
When
16 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography