APL 1363 Lenda do Indiferente

Há muitos anos atrás, na Vila do Topo, na Ilha de S. Jorge, havia um casal, casado há pouco tempo que, depois de organizar a sua vida, por mais que tentasse, não conseguia ter um filho. Isto dava-lhes muito desgosto.
 Com o passar do tempo, começaram a pensar que tudo aquilo que se estava a passar com eles era devido a estarem a pagar pelos pecados e erros cometidos. Decidiram fazer uma promessa ao Espírito Santo: se a mulher engravidasse, haviam de dar o gasto do Domingo da Trindade.
 Passou algum tempo e a mulher engravidou. E, como o prometido é devido, começaram a pensar no gasto que iam dar nas próximas festas do Espírito Santo.
 Quando chegou perto da altura das festas, o casal procurou alguém que tivesse um boi para vender. Conseguiram comprar um a um homem que criava gado bravo. 
 O novo dono levou o boi para o palheiro da sua casa, amarrou-o lá dentro e foi terminar o resto das voltas que tinha para fazer.
 Mas, como o boi era bravo e não estava habituado a estar amarrado, soltou-se dentro do palheiro e partiu tudo o que se encontrava lá. O homem, ao chegar e ao ver o palheiro naquele estado, ficou furioso e, pegando numa foice, começou a bater no focinho do animal de qualquer maneira. A mulher ouviu, aquele barulho todo, correu até ao palheiro e, vendo aquilo, implorou ao marido para que parasse de bater. O homem, indiferente ao sofrimento do boi e às súplicas da mulher, respondeu:
 — Não faz mal! O boi é para o Espírito Santo e já está pago.
 Dias depois deram a festa e tudo corria da melhor maneira. A mulher estava a ter uma gravidez saudável e normal. Todos esperavam com alegria o nascimento da criança.
 Passado o tempo necessário, a criança nasceu. Era uma menina saudável, mas o seu rosto estava todo marcado com as cicatrizes das pancadas e dos lanhos que o pai tinha dado no boi. O Espírito Santo tinha-se vingado.
 O pai, ao ver a filha assim, ficou doido de sofrimento, mas nada pôde fazer a não ser ficar com remorsos para o resto da vida. Criaram a menina sempre escondida dos olhos das pessoas e, quando ela cresceu, usava sempre um xaile ou um lenço para lhe encobrir a cara.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.200
Place of collection
Topo (Nossa Senhora Do Rosário), CALHETA DE SÃO JORGE, ILHA DE SÃO JORGE (AÇORES)
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography