APL 1364 Coscorões para o Espírito Santo

Na festa da segunda-feira da Trindade, no Topo, era costume dar coscorões muito grandes, tal como em outros lugares se dava bolos de véspera. Um certo ano a comissão destinou e disse:
 — Esses coscorões vão para a copeira, são distribuídos, os homens bebem muito vinho com eles. Isto é só para gastos de banha e bebedeiras. Não se dá coscorões este ano. Vamos avisar toda a gente.
 Dito e feito. Avisaram logo as pessoas. Havia também uma velhota que dava coscorões para o Espírito Santo já há muitos anos e fazia-os com muita devoção. Não concordava com a decisão da comissão e, chegada a altura, fez a quantia de coscorões que era devida e foi pô-los na copeira. Os da comissão no queriam aceitar, já tinham dito que naquele ano não se dava coscorões. 
 — Não, isto fica aqui. Não é pra vocês, é pró Senhor Espírito Santo. Vocês comam, botem fora, façam deles o que quiserem. Quando a travessa estiver vazia, mandem-ma para casa. — Disse a velhota decidida e foi-se embora.
 Não tiveram outro remédio senão aceitar. Fizeram-se as festas, tudo correu bem, embora muitas pessoas sentissem falta dos coscorões a que estavam habituados para trincar com um copo de vinho que bebiam durante a tarde quente de Junho.
 O tempo foi rolando. Veio e foi-se o Verão com os trabalhos e festas próprias da estação. Chegou o Outono e entrou Dezembro. Era tempo das matanças dos porcos. Uma família, tinha um porco gordo, convidava os amigos e parentes:
 — Olha, a gente vai matar o porco domingo. É como de costume.
 No sábado antes do dia marcado, o animal aparecia morto no curral. E isto aconteceu a todas as famílias que tinham porco para matar. Só a velhota que tinha dado os coscorões no dia da festa é que matou o porco, os outros todos morreram, sem se poder aproveitar a carne e o toucinho.
 Naquele ano todas as famílias do Topo tiveram que vir por essa ilha abaixo comprar gordura para se amanharem porque tinham sido castigados pelo Espírito Santo.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.201
Place of collection
Topo (Nossa Senhora Do Rosário), CALHETA DE SÃO JORGE, ILHA DE SÃO JORGE (AÇORES)
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography