APL 1399 A Ermida de Nossa Senhora da Piedade
Estava-se em mil quinhentos e setenta e dois. O povoamento do lado sul do Pico já ia avançado, mas no norte ainda só havia algumas casas dispersas e uma pequena povoação que se desenvolvia entre um mato de faias e cedros.
A pequena ermida de Nossa Senhora da Piedade era o único lugar de culto que havia para aquelas bandas da ilha. Ali todo a povo, desde a Ponta Gorda até à Ponta Pequena, ouvia missa ao domingo e dias de festa. O padre desta ermida era um homem bom, amigo de ajudar todos e sempre desejoso de que a paz reinasse nas redondezas. Esperava todos os domingos pelos fiéis de mais longe para então começar a missa.
Porém chegou uma altura em que as pessoas de perto não queriam esperar pelas outras e o padre teve que marcar uma hora para dizer a missa.
Todos concordaram com a ideia acertada do padre, menos um senhor rico de Ponta Gorda, que queria que todos esperassem por ele, embora não quisesse esperar por ninguém. Com a prepotência dos ricos e insensatos, ameaçou o capelão, mas nada conseguiu porque o bom padre, consciente de que estava a agir da melhor forma para todos, continuou a dizer a missa ao meio-dia, como tinha sido marcado.
O ricaço de Ponta Gorda, homem de mau génio, sem temor a Deus, começou a matutar na sua vingança. No dia vinte um de Setembro, um domingo, saiu de casa ainda mais tarde do que costumava. Foi roncando pelo caminho e chegou à Treposta, à ermida, a missa estava no fim. Ficou cego de raiva. Não esperou nada e, quando o padre descia do altar, rachou-lhe a cabeça com um machado.
O capelão caiu morto, banhado em sangue. Todo o povo ficou aterrado. O assassino fugiu para evitar a raiva dos fiéis. Mas não evitou o castigo de Deus, porque logo a terra começou a tremer. Ao fim de vinte minutos, na serra, junto da Lagoa do Caiado, rebentou o vulcão, lançando chamas e lavas que corriam para o mar, devorando tudo à sua passagem.
O assassino em fuga foi o único que morreu e as testemunhas do terrível crime tiveram apenas tempo de fugir ao perigo. Uma grande extensão de terra, antes muito produtiva e destinada a ser a nova vila do Pico, ficou reduzida a um deserto de pedra queimada, o mistério. Foi o primeiro vulcão que rebentou no Pico depois do povoamento. Foi tão forte que o clarão da ribeira de lava se viu claramente nas ilhas mais próximas e destruiu uma larga faixa de terreno que atravessou a ilha de lado a lado.
A ermida de Nossa Senhora da Piedade caiu também com os abalos de terra e, nos escombros, ficou para sempre sepultado o bom padre. Com a ermida foi-se também a ideia de fazer daquela zona a nova vila do Pico.
- Source
- FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.242-243
- Place of collection
- São Roque Do Pico, SÃO ROQUE DO PICO, ILHA DO PICO (AÇORES)