APL 673 A Vida de São Macário na Voz do Povo

De São Macário, conta o povo de Alcaide que, rapagão forte e perfeito, filho único, muito trabalhador e amigo de seus pais, foi, segundo o costume de outros tempos, ouvir os adivinhos ou magos sobre o seu destino.
 Revelaram-lhe que era sua sina matar os autores de seus dias.
 Aterrorizado, depois de passar intermináveis noites de insónia, resolveu ausentar-se.
 Despediu-se dos pais a quem convenceu de que ia tratar de uns negócios e depressa voltaria. Afastando-se muito da sua aldeia, fez-se almocreve.
 Passaram anos.
 Os pobres velhos, cheios de saudades, vendo que não podiam já viver muito, resolveram procurar Macário, para, se o encontrassem, com ele passarem os últimos dias de vida, e, se houvessem vestígios da sua morte, regarem com suas lágrimas a terra que o guardasse.
 Andaram, andaram, e depois de muitas vezes por ele terem perguntado, souberam, em certa altura, da sua existência e a direcção que seguira.
Cheios de sofrimento e de penas, chegaram à terra onde Macário casara e vivia.
 Alvoroçados de alegria, os seus pobres corações já cansados, rejuvenesceram.
 Abeiraram-se da casa que lhe haviam indicado como sendo a do filho e bateram à porta. Macário estava ausente, mas a esposa, inteirada da identidade dos visitantes, recebeu-os com alegria. E porque vinham abatidos e molhados, deu-lhes fatos, dela e do marido, para se mudarem, reconfortou-os e aconchegou-os o melhor que pôde na sua própria cama.
 Estenuados, como vinham, os pobres velhos cairam em sono profundo.
 A esposa de Macário teve, entretanto, necessidade de ir ao forno.
 Macário entrou nesse instante e ouviu ressonar. Percorreu a casa e verificou que se encontravam duas pessoas na sua cama.
 Desvairado, pegou num machado e matou-as.
 Nisto, chegou a esposa. Estupefacto e desorientado, perguntava a si mesmo como era possível ela encontrar-se viva?
 Informado de que as pessoas que se encontravam na cama e que ele assassinara eram seus pais, fugiu, alucinado, sem rumo. Lembrou-se do destino que lhe tinham marcado os adivinhos e, depois de pensar na forma de expiar o seu crime, escolheu a penitência e o martírio. Dirigiu-se, para tanto, a um deserto, abriu uma cova entre duas rochas e nela se enterrou até à cintura.
 Nos primeiros tempos alimentou-se apenas com as ervas que alcançava com os braços e, depois, como se fosse visto por alguns caçadores que passaram no local e levaram a notícia às povoações próximas, muitas pessoas foram visitá-lo e levar-lhe alimentos. Atormentado pelo remorso, comia pouco, mas comia para prolongar a vida e, a expiação.
 Dizia invariavelmente às pessoas com quem falava:
 — «Quem faz bem, para si o faz, quem faz mal, para si o faz».
 Uma mulher que o foi visitar, irritada com Macário por ele não lhe desvendar o mistério que encobria a sua vida, resolveu acabar-lhe com o martírio. Preparou um bolo com veneno e ofereceu-lho. Quis o destino que, logo em seguida, passassem pelo sítio dois caçadores esfomeados. Macário deu-lhes o bolo.
 Os caçadores morreram envenenados e, destino da Providência, eram filhos da mulher que preparara o bolo.
 Este facto, a que o povo deu foros de sobrenatural, levou Macário a recusar, dali por diante, todos os alimentos que lhe ofereciam.
 E por isso abreviou o termo dos seus dias, vindo a expirar, ao fim de sete anos, na cova que por suas mãos abrira.
 O povo começou, logo em seguida a sua morte, a registar milagres sem conto, e a afirmar que o simples contacto com os restos do fato de Macário curava várias doenças.
 Na Beira Baixa diz-se ainda hoje, como já se anotou, que São Macário cura sete males, um por cada ano de penitência a que se submeteu, e por isso não lhe faltam devotos e romeiros durante todo o ano e especialmente no dia da sua festa.

Source
DIAS, Jaime Lopes Contos e Lendas da Beira Coimbra, Alma Azul, 2002 , p.103-105
Place of collection
Alcaide, FUNDÃO, CASTELO BRANCO
Narrative
When
20 Century, 50s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications
Types
ATU [931 A] Parricídio

Bibliography