APL 782 A alma da tecedeira

Um rapaz ficou sem mãe muito cedo. E como não tinha ninguém para acabar de o criar, foi para casa de uma tecedeira que havia aqui no povo e que vivia sozinha. O rapaz foi sempre muito educado e muito trabalhador. Trabalhava como pedreiro, e todo o dinheiro que ganhava entregava-o à tecedeira para que lho guardasse.
 Um dia conheceu uma rapariga. Disse então à mulher que o criou:
 — Já arranjei uma rapariga!
 E diz-lhe ela:
 — Então vê se não a enganas. Casa primeiro com ela.
 — Primeiro quero fazer uma casa para irmos morar eu e ela — respondeu-lhe o rapaz.
 Como contava com o dinheiro que andava a juntar, achava ele que depressa faria a dita casa. O pior é que a tecedeira morreu quase de repente. Partiu uma perna. Dali veio-lhe uma doença. E pouco mais durou.
 Mas, pior ainda do que isso, é que o rapaz não chegou a saber onde é que ela guardava o dinheiro. Coitado dele, queria fazer a casa, queria casar, e não sabia onde procurar o dinheiro.
 Que é que faz então? Foi falar com o senhor padre. E o senhor padre disse-lhe:
 — Vais em tal dia, à meia-noite, ao pé da igreja e se vires passar uma procissão, repara bem se lá vai essa pessoa na procissão. Se a vires, pergunta-lhe onde guardou o dinheiro.
 O rapaz assim fez. Foi-se lá pôr ao pé da nossa igreja matriz [da vila de Tabuaço] e esperou um ror de tempo. Até que viu passar uma procissão de luzes à volta da igreja. Só que, quando ia a passar à beira dele, arrepiou-se todo e fugiu. Por isso, não chegou a ver a tecedeira. Voltou então a ir falar com o padre, e ele disse-lhe que visse melhor, que à certa seria a última da procissão, pois era a que tinha morrido há menos tempo.
 O rapaz arranjou então coragem para se aproximar mais da procissão, e, ao reparar última vela acesa que passava, lá reconheceu a tecedeira. E falou com ela, pergunta-lhe onde tinha guardado o dinheiro.
 — Ao que tu te aventurastes! Podias ficar tolhido! — disse-lhe a mulher. — O dinheiro está metido atrás do tear. Mas aproveita algum e manda dizer umas missas por mim!
 E não é que o rapaz foi, no dia seguinte, à casa da tecedeira procurar atrás do tear, e o dinheiro estava lá mesmo?

Source
PARAFITA, Alexandre Património Imaterial do Douro - Narrações Orais (contos, lendas, mitos) Vol. 1 Peso da Régua, Fundação Museu do Douro, 2007 , p.194
Year
2007
Place of collection
Tabuaço, TABUAÇO, VISEU
Collector
Alexandre Parafita (M)
Informant
Maria da Purificação Fernandes Ferreira (F), 76 y.o.,
Narrative
When
21 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography