APL 3217 A lenda de S. Roque do Faial

No início da colonização, todo o vale do Faial era terra e moradia de pastores. Crescendo a povoação pedem as gentes do lugar ao Bispo Diocesano a construção de uma ermida e um pastor de suas almas, já que a igreja de Nossa Senhora da Natividade do Faial, lhes ficava distante. Tomaram os pastores para patrono dos seus rebanhos a S. Roque, que Cristóvão Pires, em 1551, introduzira na sua ermida do chão da Ribeira como padroeiro do lugar.
    Mas o chão da Ribeira, fora local discutido pelos pastores reunidos em conselho de homens bons. Quando as teimas eram mais acaloradas eis que das fráguas da Penha d’Águia, aparece o Santo aquelas gentes a indicar o chão da Ribeira como o melhor local de então para a edificação do templo. E porque a união faz a força reune-se todo aquele pequeno número de gente e todos com seus braços e economias levantam a pequena ermida dentro do leito da ribeira. Instituído o culto naquela Igrejinha vão os povos em luzidia procissão até as fráguas daquela rocha onde o Santo se lhes revelara, buscar a Imagem do Miraculoso S. Roque, para o agasalharem naquele novo templozinho. Tomando por presságio desgraças iminentes, recorre o povo à nova ermida a implorar do Santo consolo e lenitivo espirituais e o desvio do pesadelo que lhes vai no coração. Debelada a desgraça prevista fica o povo sossegado e o Santo vigilante no seu Altar.
    Mas certo dia de semana, às Ave-Marias vai o povo de abalada orar ao santuário. Qual não é o seu espanto quando encontram ali a ausência do Santo protector que um contemplativo «freguês» diz tê-lo visto na frágua no lugar do Seu aparecimento!...
    A notícia, entretanto, correra veloz e o povo entre desgostos e choros convulsivos acorre todo ao santuário onde se confirma ausência do Santo protector... O Santo fugira do grémio dos homens, pecadores, sem um sorriso consolador de despedida, de paz e amizade para com o seu povo.
    Pressagiando desgraças iminentes e pena de excomunhão e maldição, o desaparecimento do Santo da sua ermida e por imaginação daquela rude gente, vem a seguir a chuvada contínua e ameaçadora, prenúncio de borrasca e logo engrossam as águas da ribeira, surge um temporal de que não havia memória, formando enxurrada que na sua fúria avassaladora ensopa a pequena igreja e leva para o mar tudo quanto se lhe antepõe. O Santo, antevendo a grande desgraça, fugira para a montanha, para de lá abençoar e proteger, espiritualmente, a sua gente.
    Sempre com o auxílio das gentes novo santuário erguem ao Santo protector. De novo em procissão lá vão eles todos de abalada até o rochedo da Penha d’Águia, de archotes em punho, buscar o Santo que ali dormitava. Entretanto com ele na igreja, triunfantes, entre cânticos festivos, envoltos «em nuvens de flores que as crianças lhes jogam entre preces, rogos e risos de alegria».
    Decorrem os tempos e, de novo, abandona o Santo o Seu Altar, recolhendo-se à penedia. Novos presságios e lastimações daqueles povos que, chorando, cheios de freima, sentem cair sobre si, as asas negras da desfortuna e de lutos. E a desgraça uma vez mais ali se lhes mostra. Grossas chuvas e intermináveis aguaceiros engrossam as águas e as ondas tenebrosas da Ribeira, arrastam o corpo da nova edificação, deixando no ar apenas as paredes laterais. O resto do templo e adro desapareceu. Não desanimam os habitantes de S. Roque, reerguem a igreja, onde de novo metem o Santo. Este, porém, ia distrair vistas para os lados da alta penedia... Ainda hoje o povo julga ver a Imagem do Santo pelos agrestes e escarpados rochedos da Penha d’Águia, como memória que ficou da antiguidade. Actualmente, S. Roque, vive na sua nova Igreja sob a tranquilidade daquela gente que anualmente Lhe promove bela e condigna festividade.

Source
PIO, Manuel Ferreira O Concelho de Santana - Esboço Histórico Funchal, sem editora, 1974 , p.163-165
Place of collection
São Roque Do Faial, SANTANA, ILHA DA MADEIRA (MADEIRA)
Narrative
When
20 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography