APL 905 A moura da quinta dos machados
Havia, outrora, também em Chaves, uma outra herdade chamada Quinta dos Machados, que ficava situada à beira do Rio Tâmega, entre a vetusta Ponte Romana e o Forte de S. Francisco.
Hoje, está escondida debaixo do casario que nela cresceu, ainda não há muito. O seu espesso arvoredo, a proximidade do rio, da ponte e do forte conferiam-lhe um certo ar de mistério que ajudou a criar a lenda que se segue.
Em tempos muito remotos, antes de pertencer aos Machados que lhe deram o nome, vivia lá uma moura muito formosa e muito rica. Mas, ao contrário das outras que se escondem nas rochas com os seus fabulosos tesouros, à espera dum mancebo corajoso que as vá desencantar, para depois se casarem, esta não se escondeu nem se deixou encantar.
Construiu um majestoso palácio para morar. Depois, encontrou um jovem da sua idade, apaixonou-se por ele e daí ao casamento foi um passo.
Vivia feliz com o seu esposo que a idolatrava, mas a sua felicidade não era completa: faltava-lhe um filho que tanto desejava e não conseguia.
Um dia, o seu sonho realizou-se. Sentindo que ia ser mãe, pediu ao marido que fosse procurar uma parteira. O marido partiu e, quando encontrou uma, combinou com ela que a recompensaria bem se conseguisse levar a bom termo a sua tarefa. Mas pôs-lhe ainda outra condição: teria de ir e voltar com os olhos vendados.
A parteira achou esta exigência muito estranha e experimentou algum receio. Mas a promessa duma recompensa generosa foi mais forte do que o medo. Aceitou, pois, a condição e pôs-se a caminho, guiada pela mão do desconhecido. Quando este lhe tirou a venda, já dentro do palácio, ficou de boca aberta diante daquele cenário de maravilha! Nem parecia casa de gente, mas um palácio dos contos de fadas! Era um enorme salão com tecto dourado, donde pendiam brilhantes lustres de cristal, com móveis de ébano encrustados de pérolas, janelas altas com cortinas de seda natural, e tapetes de veludo, a cobrir o chão de mármore luzente: um deslumbramento!
A custo conseguiu desprender-se do extático encantamento para acompanhar o senhor daquele luxo requintado, até ao quarto da esposa que os aguardava ansiosamente.
A operação decorreu com toda a normalidade. A sua grande experiência permitiu-lhe, em menos dum credo, pôr nos braços da parturiente uma linda mourinha parecida com a mãe.
Terminada a delicada missão, o senhor desconhecido voltou a colocar-lhe a venda nos olhos e acompanhou-a até à porta da sua casa.
À despedida, entregou-lhe um cofre dourado, com palavras de agradecimento pelos serviços prestados e a recomendação de só abrir o cofre no dia seguinte.
A parteira, porém, logo que entrou em casa, abriu sofregamente o misterioso cofre, na esperança de encontrar um valioso presente, mas sofreu uma grande decepção. Dentro do cofre, estavam apenas pedaços de carvão!
Furiosa, arremessou-os pela janela fora, rogando pragas ao ingrato cliente que assim abusara da sua boa fé.
Deitou-se, zangada consigo mesma por ter acreditado num desconhecido, mas não conseguiu pegar no sono. De manhã, levantou-se mal disposta, foi examinar, de novo, o cofre da desilusão e verificou, com estupefacção, que dentro estava uma pepita de oiro reluzente. O pedaço de carvão que escapara de véspera tinha-se transformado em oiro de lei.
Arrependida de ter deitado fora os restantes e de não ter seguido o conselho do ilustre senhor, correu imediatamente a procurá-los no quintal, mas já nada encontrou: tinham desaparecido misteriosamente. Então, lembrou-se do que lhe dizia seu pai:
- Nunca tenhas pressa de deitar fora o que parece inútil. Guarda o que não presta e terás o que te faz falta.
Porém era tarde para remediar o mal feito. E teve de continuar a trabalhar para ganhar a vida. Mas aprendeu uma grande lição: a maior riqueza ainda é o trabalho.
Quanto ao destino da moura, a lenda diz que terá regressado à mouraria, depois de vender a quinta e o palácio à família dos Machados. Por isso, ficou a ser conhecida como a Moura da Quinta dos Machados.
- Source
- FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis Vila Real, Edição do Autor, 1999 , p.34-36
- Place of collection
- CHAVES, VILA REAL