APL 1361 Sequer se a gente apanhasse um Cariano!
Isto passou-se comigo e com outros rapazes aqui do lugar. Era a noite dos Carianos em que todos os pescadores não queriam ir para o mar ou para a costa com medo do que lhes podia acontecer. Três ou quatro pescadores da Fajã de S. João resolveram ir pescar, apesar deterem sido avisados para não o fazerem pelos mais velhos e pelas mulheres. O tempo estava muito calmo e naquela época do ano, princípios de Fevereiro, tinham que aproveitar.
Foram. O mar era azeite e o pequeno barco quase não se mexia amarrado à porta. Deitaram as linhas ao mar várias vezes e puxaram-nas outras tantas, mas não aferravam nem apanhavam nada.
Pescaram toda a noite e já estavam cheios de frio e cansados.
Chegou-se sobre a manhã e o tio Vitorino Velho, para animar os outros pescadores, disse com um tom de voz entre o aborrecido e o trocista:
— Sequer se a gente apanhasse um Cariano!
E continuaram a pescar, atentos, na esperança de sentirem algum peixe. A certa altura um dos homens aferrou um e pelo puxar não teve dúvidas. Despertando os outros da sonolência em que tinham caído, exclamou com alegria:
— Ele é um peixe grande!
Todos se animaram. Pelo menos assim não iam para casa sem nada. Estavam a pescar a mais de cem braças de fundura e lá foram puxando, puxando, por fim mais devagar porque os braços começaram a estar cansados.
Quando o peixe foi chegando perto da borda, todos ficaram espantados e um deles disse a gaguejar:
— Que diabo de peixe é este?!
Era realmente um peixe diferente, grandíssimo, com cornos como se fosse um diabo.
Cortaram logo o arame e cheios de medo ajoelharam a rezar com toda a fé. Juraram nunca mais ir ao mar em tal noite, porque tinham estado quase a, apanhar um Cariano.
- Source
- FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.198
- Place of collection
- Calheta, CALHETA DE SÃO JORGE, ILHA DE SÃO JORGE (AÇORES)