APL 1435 A Furna dos Encantados e a sexta-feira de jejum
Havia no Corvo uma furna muito grande que se estendia por debaixo do chão, no meio das terras onde, frequentemente, os homens passavam ou trabalhavam. Aquele boqueirão medonho, que tinha o nome de Furna dos Encantados, causava medo a muitas pessoas por acreditarem que era domínio de diabos.
Uma certa vez, já há muitos anos, estava um homem mais destemido sentado a descansar fora da furna, quando começou a ouvir uma conversa entre três demónios que estavam dentro do esconderijo. Um deles, muito contente, entre gargalhadas maldosas, dizia aos outros:
— Fulano não me escapa que eu já o tenho de mão.
— Aquele outro Fulano jejua três sextas-feiras do ano. Ele vai-se salvar, não tenho maneira de o apanhar! — resmungou um outro demónio, mal disposto.
— Que sextas-feiras são essas que são assim tão importantes para a salvação? — perguntou um terceiro.
O demónio que antes tinha falado começou a explicar:
— Uma é a primeira sexta-feira do mês. A outra é a sexta-feira do Divino Espírito Santo e a terceira é...
Nisto um dos demónios, farejando, interrompeu a fala do companheiro e disse:
— Anda gente por aqui!
O homem que estava cá fora sentado, muito calado, a escutar a conversa, ao ouvir isto, largou-se a fugir o mais depressa que pôde com medo que os demónios viessem atrás dele e o apanhassem. Correu por ali abaixo e só parou quando se apanhou em casa com a porta bem fechada. Ao verem-no tão aflito, perguntaram-lhe o que tinha acontecido e ele contou a conversa que tinha escutado entre os demónios.
Todos os habitantes do Corvo ficaram muito apreensivos porque queriam saber qual era a outra sexta-feira em que tinham de jejuar para se poderem salvar.
Como nunca mais tiveram maneira de saber, passou a ser hábito no Corvo, durante muitos anos, jejuar todas as sextas-feiras para que assim estivessem seguros de que se iam salvar e não iam cair no poder dos demónios.
- Source
- FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.288-289
- Place of collection
- Corvo, CORVO, ILHA DO CORVO (AÇORES)