APL 3809 [O Cemitério dos Mouros]
No lado oriental da cidade [Silves], quase a três quilómetros de distância, ergue-se um outeiro conhecido pelo Monte das Cabeças. Este outeiro ou serro fica na parte oposta ao ribeiro do Enxerin. Supõe-se que ali existia o cemitério dos mouros, se é que as muitas sepulturas ali encontradas não têm origem mais antiga. Encontrando casualmente no sítio do Monte do Boi, freguesia de S. Bartolomeu de Messines, uma mulher do Enxerin, falei-lhe no referido serro.
— É o cemitério dos mouros, respondeu imediatamente.
— E quem lhe disse que era ali o cemitério dos mouros?
— Sempre ouvi dizer isto aos meus pais; e o que tenho presenciado confirma o mesmo.
— Presenciado?
— É verdade. E o senhor, se quiser, pode também ser testemunha.
— Como?
— Subindo ao cume do serro na noite da véspera de S. João. Talvez desça mais depressa do que suba.
Não compreendi esta resposta, proferida num modo de quem queria ridicularizar e a mulher leu em mim o juízo que formulara o meu espírito, porque acrescentou:
— Eu lhe digo, na noite da véspera de S. João costumam os mouros e mouras encantadas visitar os seus parentes mais felizes que morreram e ali foram enterrados.
— Já lá os viu?
— Muitas vezes. Nessa noite vagueiam reunidos por todo o serro e só desaparecem quando rompe a alvorada.
— Fala-se muito no seu sítio em mouras encantadas?
— Muitíssimo. Não há por ali cisterna, poço velho, matamorra, fonte ou caverna, onde não esteja uma triste encantada. Quando eu era criancinha falava-se muito nisso. Hoje menos.
— Talvez as mouras ou os mouros tenham morrido.
— Os encantados não morrem nem vivem...
— Isso não será fácil.
— Olhe, em Lagos há uma mulher doente, que passa seis meses sem comer, nem beber, nem falar. Os médicos dizem que é cataple...
— Cataplética.
— Exactamente. Ora quem tem força de alterar a lei do mundo por seis meses certamente também pode alterar a mesma lei por seis séculos. Convença-se de que a Deus nada é impossível.
E a mulher despediu-se, deixando assombradas as mais pessoas que a ouviam atentamente, como ela, crentes no aparecimento das mouras encantadas.
- Source
- OLIVEIRA, Francisco Xavier d'Ataíde As Mouras Encantadas e os Encantamentos do Algarve Loule, Notícias de Loulé, 1996 [1898] , p.224-225, cap XXIX A Moura de Silves
- Place of collection
- SILVES, FARO