APL 1573 As Mouras de Paderne

Paderne ou Paderna, freguesia do concelho de Albufeira, comarca de Loulé, gozava no tempo dos mouros de grande importância. Um escritor quase contemporâneo daquela época, historiando as façanhas de D. Paio, escreve:
 «…e então foi o mestre [D. Paio Correia] cercar Paderna que é um castelo forte e mui bom de grã comarca em redor entre Albufeira e a serra e estando sobre ele mandou gente ao termo de Silves que fossem tomar a torre de Estombar que d’antes fôra sua».
 Depois da conquista de Silves voltou D. Paio sobre Paderne e tomou o castelo depois de um combate fortíssimo.
 Diz a este respeito o aludido cronista:
 «…e tomada a cidade de Silves se tornou o mestre a Paderna, que antes tivera cercada e tomou a vila e o castelo por força...».
 Antes de D. Paio e no reinado de D. Sancho I era o castelo de Paderne de grande nomeada. Um dos cruzados que assistiu à tomada de Silves, no tempo deste monarca, mencionando os castelos que cairam em poder dos cristãos depois da conquista da cidade, escreve:
 «…Estes são os castelos de que os cristãos se apoderaram depois da tomada de Silves: Sagres, Lagos, Alvôr, Portimão, Monchique, Montagudo, Carvoeiro, Messines e Paderna”.
Naturalmente com a nova tomada da cidade pelos mouros voltou o castelo de Paderne para o domínio destes, pois que no tempo de D. Afonso III o encontramos em poder dos mouros.
Nas lendas locais encontram-se vagas referências à tomada do castelo. Dizem assim:
Em um dia de manhã da mais poética primavera tomavam as belas mouras o seu banho na ribeira que corre no sopé do monte do castelo, quando umas crianças que brincavam próximo das margens vieram a correr dizendo:
 — Veja minha mãe. Que bonito é...!
 — O quê, filho?
 — As mouras a correr para o castelo.
 Saiu a mãe do banho, cobriu o corpo nu com o albornoz do marido e correu a verificar o facto.
 Então teve a compreensão nítida da sua desgraça.
 Os cristãos serviam-se de uma estratégia para se aproximar do castelo. Tinham arrancado a distância grande porção de mato e encobertos com este tentavam entrar no forte castelo.
 Deu imediatamente a voz de alarme e logo todas as suas companheiras, como as ninfas da ilha dos amores cantadas por Camões, correram nuas a entrar pela boca do subterrâneo que da ribeira comunicava com o interior do castelo, em cujas salas se esconderam.
 Semelhantemente os mouros que trabalhavam em seus campos recolheram ao castelo e foram reunir-se aos seus camaradas que pelejavam contra os cristãos.
 Foi rude e mortífero o combate. Ao primeiro encontro caíram feridos de morte dois freires espatários, cuja morte foi bastante sentida pelo Mestre D. Paio.
 Depois de algum tempo foram expulsos do castelo os sarracenos, entrando os cristãos na sua posse.
 Afirma a lenda que no subterrâneo do castelo ficaram encantados mouros e mouras, que ali defendem os seus tesouros até que a sua raça se resolva a vir desencantá-los.
 Nunca saem dali a não ser à meia noite ou ao meio dia. Algumas pessoas dos arredores os têm visto àquelas horas.
 Há mais de cem anos foi uma pobre mulher, chamada Carlota, ao castelo. Viu ela sentada sobre uma pedra uma criança de barrete encarnado. Era meio dia. A criança chamou a mulher pelo seu nome, mas Carlota, receosa de que lhe roubassem os santos óleos, em vez de se aproximar do mourinho, safou-se do lugar, de corrida. A criança ficou muito triste.
 Em outra ocasião o mesmo mourinho saiu dos seus palácios subterrâneos e foi a casa de um moleiro, próximo do castelo. Ficou a mulher surpreendida. Nunca vira por aquele sítio criança tão linda e tão garridamente vestida.
 — O que quer, meu menino? perguntou.
 — Quero um bolo, respondeu a criança.
 — Vou cozê-lo na lareira. Espere um pouco.
 — Coza depressa porque é para o meu pai que está doente. Eu Vou esperá-la lá em baixo junto da ribeira.
 A mulher foi preparar o bolo.
 — Não diga a ninguém que eu lhe pedi o bolo, disse a criança ao sair de casa.
 Quando a mulher saiu com o bolo cozido, encontrou o marido.
 — Aonde vais?
 —Vou levar este bolo a uma criança que tem o pai doente.
 — Quem é essa criança?
 — Não conheço: é um menino muito bonito, bem vestido e traz um barrete encarnado na cabeça.
 O marido percebeu imediatamente quem o menino era e disse:
 — Vai, mas acautela-te.
 —Do quê?
 — Não consintas que te toque com um dedo que seja.
 A mulher riu-se da recomendação do marido, compreendendo mal a sua intenção, e levou o bolo à criança.
 Com grande pasmo da boa mulher, a criança não aceitou o bolo, dizendo à maneira das crianças amuadas:
 — Leva-o ao teu marido. Ah tirana que perdeste a tua fortuna! Vai para casa, sempre serás desgraçada!
 A este tempo ainda a mulher não sabia quem era a criança, que assim a maltratava. Por isso respondeu:
 — Eu não sei quem é o menino, mas percebo perfeitamente que é muito malcriado. Pediu-me o bolo e agora recusa aceitá-lo! Fiem-se lá em garotos!
 Neste momento desapareceu a criança sem que a boa mulher pudesse saber que destino tomara. Lembrou-se então de ouvir falar os seus avós em mouras encantadas no sítio do castelo. Apanhou tamanho susto que se pôs a correr para casa, onde não chegaria se o marido, que a espreitava de longe, não viesse recebê-la nos braços.
 — Então já sabes quem era a criança? perguntou-lhe o marido, quando a viu mais restabelecida.
 — Já sei, já sei, um mourinho encantado!
 É a lenda muito expressa em mencionar os tesouros escondidos na cisterna do castelo, convertida em palácio encantado. E o povo ainda crê nessa lenda, que parece confirmada com o som metálico produzido por uma pedra atirada de cima para dentro da cisterna.
 Um indivíduo, cujo nome não menciono, sonhou com dinheiro escondido na cisterna. Deu notícia do sonho a uns amigos, que resolveram em certa noite explorar o fundo da cisterna. Para o que desse foram convenientemente preparados com enxadas, alferces, barras, luzes e… água benta.
 Sairam ao anoitecer. À proporção que se aproximavam do castelo ia arrefecendo o ardor dos empresários. Um deles, que levava uma espingarda de fuzil ou pedreneira, largou-a quando começou a subir a ladeira do castelo. Ia na frente o que levava a água benta.
 Começaram os trabalhos, colhendo umas moitas secas que obstruíram a boca da cisterna. Este serviço, na calada da noite, produziu-lhes certa comoção, por isso, quando quiseram amontoar os ramos secos, fizeram estes uma ramalhada tal que parecia uma coisa horrível. O da água benta largou a caldeirinha e pôs-se a correr em carreira aberta serro abaixo; os companheiros imitaram-no, e quando se reuniram em certo ponto estavam convencidos de que o som da ramalhada era nem mais nem menos o ranger dos dentes dos mouros encantados!
 E vejam como o nosso povo está muito adiantado!

Source
OLIVEIRA, Francisco Xavier d'Ataíde As Mouras Encantadas e os Encantamentos do Algarve Loule, Notícias de Loulé, 1996 [1898] , p.143-146
Place of collection
Paderne, ALBUFEIRA, FARO
Narrative
When
19 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography