APL 1576 [A Moura Floripes de Olhão]

 

  No sítio do Moinho do Sobrado, nas proximidades de Olhão, no mesmo lugar onde hoje existe um armazém pertencente ao sr. Fonseca, havia antigamente uma casa, a cuja janela aparecia, alta noite, uma formosa mulher vestida de branco.
 Não obstante ninguém se atrever a passar por ali, de noite, havia um sujeito que se embriagava muitas vezes, e então abria a sua porta quase em frente da outra e deitava-se na rua sem receio. A mulher de branco aproximava-se do bêbedo, fazia-lhe meiguices, e até se sentava algumas vezes a seu lado.
 Certo indivíduo animoso quis um dia, ou antes uma noite, averiguar este caso extraordinário e para esse fim aproximou-se da mulher e perguntou-lhe quem era.
 — Sou a desditosa Floripes, respondeu ela numa expressão triste.
 — O que faz por aqui?
 — Sou uma pobre moura encantada. Quando a minha raça foi expulsa da província, viu-se meu pai forçado a sair sem poder prevenir-me. Eu tinha um namorado que também fugiu, e eu aqui fiquei sózinha, esperando a cada momento a vinda de meu pai para me levar consigo. Em uma noite esperava que algum barco mouro aqui chegasse, vi ao longe uma luz à proa de uma embarcação. A noite era de tormenta, e a embarcação escangalhou-se de encontro aos rochedos. Não era meu pai que ali vinha era o meu namorado, que foi engolido pelas ondas. Soube meu pai em África deste funesto acontecimento e vendo que lhe não era possível vir buscar-me, encantou-me de lá, servindo-se dos preceitos aconselhados pelas artes mágicas.
 Ficou o homem penalizado desta triste história e logo pensou em pôr às suas ordens os poucos ou muitos serviços, que ele lhe pudesse prestar. Neste intento perguntou-lhe:
 — E não há algum meio de a desencantar?
 — Há, há respondeu a moura.
 — Que meio?
 — É necessário que um homem me dê um abraço, à beira de um rio, e que me fira no braço contíguo ao coração. Logo que isto suceda, irei de pronto para o meu aduar, onde residem os meus parentes. Há porém uma dificuldade.
 — Que dificuldade? perguntou o sujeito, quase resolvido a fazer as vezes de libertador da moura.
 — O homem que me abraçar e me ferir tem de me acompanhar até África.
 — Por muito tempo?
 — Por toda a vida, respondeu a moura, soluçando. Por isso ainda hoje estou encantada: ninguém se atreve a tanto.
 O sujeito ouviu atentamente esta resposta e logo pensou que o sacrificio era realmente muito superior à sua boa vontade. Não quis, porém, desenganar a moura e disse-lhe que ali voltaria em breve.
Não voltou.
 E a moura continua no seu encantamento. Ainda não há 10 anos que por ali ninguém passava, porque à hora fatal, à meia noite, aparecia a moura vestida de branco com os seus cabelos de ouro soltos aos ventos.
 É formosa a moura, mas o sacrifício exigido de quem a queira desencantar é muito grande.
 Já tem sido vista em certas ocasiões, sempre de noite, a conversar com um menino de gorro encarnado e olhos grandes. Este menino tem aparecido a muita gente de Olhão.
 Seria o menino algum mouro que ali ficasse também encantado?
 Ninguém sabe responder.
 E todavia o menino e a moura aparecem muitas vezes, e toda a vila se sente estremecer, quando tem notícia de tal aparecimento.
 

Source
OLIVEIRA, Francisco Xavier d'Ataíde As Mouras Encantadas e os Encantamentos do Algarve Loule, Notícias de Loulé, 1996 [1898] , p.165-169
Place of collection
Olhão, OLHÃO, FARO
Narrative
When
19 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography