APL 658 A Moura de Pontão

Entre os rios Aravil e Ponsul, em campo bem aberto onde o Sol vagueia sem obstáculo de grandes montes ou de altas serras, vive agarrada ao chão, sumida na alvura do horizonte, a pequena mas feracíssima povoação de Ladoeiro.
 Em pleno contraste com a claridade do Sol, os moradores, consequência talvez da inclemência do clima, ardências insuportáveis no Verão e rigorosos temporais no Inverno, são tristes.
 E nascem, criam-se, vivem e morrem — quantos deles! — sem terem passado além de Idanha-a-Nova ou de Castelo Branco, para lá do Tejo ou da raia.
 Tiradas as feiras mais valentes da redondeza: as de São Francisco e dos Reis em Castelo Branco e a de Agosto em Proença-a-Velha, afora o cumprimento de promessa a Nossa Senhora do Almotão ou a Nossa Senhora da Póvoa e o alistamento no serviço militar, raros deixam a sua terra, raros se afastam dos seus lares.
 E por isso, nascendo, criando-se e vivendo, embora, como se disse, em campo bem aberto, que é verde e lindo na Primavera, rico e opulento, de meses de oiro no Verão, árido e frio no Inverno, os moradores de Ladoeiro conservam velhas tradições, usos e costumes antigos sem adulteração.
 O Sol começou já a apertar, e o calor dos últimos dias denunciou bem, mesmo aos que no campo vivem alheados dos movimentos dos astros, que chegou o Verão.
Os trigais estão maduros, e se bem que tudo esteja em armas para a recolha do cereal, nas ruas da povoação vai festa rija.
 Há fogueiras e há danças. Há alegria! É o São João!
 É a festa predilecta e de feição mais vincadamente amorosa do bom povo português.
É a festa da mocidade, dos novos que aspiram ao casamento.
 Rapazes e raparigas bailam e cantam, trocam prendas, fazem adivinhas e procuram descobrir, pelos milagres da santa noite, o nome do amor que lhes fará a felicidade, e até a data do noivado.
 E no entanto, uma velha lenda que todo o Ladoeiro bem conhece, promete-lhes, ali perto, grande fortuna que lhes assegurará o futuro e os livrará das ardências do Sol do Verão e das inclemências do Inverno.
 
 Vem de tempos distantes!...
 Quem à hora da meia-noite de São João se afoite a passar pela Quinta do Pontão, verá, estendidas em grande manta, muitas passas que uma Moura, que no local está encantada, ali expõe todos os anos.
 O que conseguir apoderar-se das passas sem que a Moura acorde, vê-las-á, ao chegar a casa, transformadas em libras.
 E será então senhor de grande fortuna.
 Mas, ai dele se a Moura acorda, porque então, quebrado o encanto, roubar-lhe-á os Santos Óleos, e obrigá-lo-á ficar eternamente preso em seu lugar!
 Talvez por isso, no receio que vem já de seus avós, os moços e moças de Ladoeiro, recordando a lenda, mas temendo-a, continuam a fazer os bolinhos de pão onde escondem os grãos de trigo, a encher a boca de água e a quebrar o ovo de galinha preta na noite de São João em cata da felicidade pelo noivado, deixando em paz as passas, e em seu eterno encantamento a Moura do Pontão.

Source
DIAS, Jaime Lopes Contos e Lendas da Beira Coimbra, Alma Azul, 2002 , p.62-64
Place of collection
Ladoeiro, IDANHA-A-NOVA, CASTELO BRANCO
Narrative
When
20 Century, 50s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography