APL 931 São frutuoso
Frutuoso Gonçalves nasceu no século XI, em Constantim, Concelho de Vila Real.
Era filho de humildes lavradores, pessoas de pouca instrução, mas de muita virtude e por isso muito respeitados. Deles recebeu, pela palavra e pelo exemplo, uma sólida formação cristã.
Vocacionado para a vida sacerdotal, iniciou os seus estudos com o pároco da freguesia. Dotado de grande inteligência e bom coração, cresceu rapidamente na ciência e na virtude.
Tornou-se, por isso, um jovem modelo, muito admirado e estimado por todos. Gostava de participar nos actos de culto e tudo fazia para nunca faltar. Depois dos estudos e da assistência à missa, ajudava os pais nas tarefas mais leves da vida agrícola.
No Verão, quando o milho miúdo começava a sazonar nas leiras, ia para lá enxotar os pardais, gulosos e famintos, que se atiravam sofregamente ao grão, a justificar o adágio popular: o primeiro milho é dos pardais.
Tinha de sair de casa de madrugada, que os ladinos acordavam cedo e cheios de fome, ameaçando despojar as espigas gradas, só deixando a palha por muito favor.
Levava o farnel nos bolsos, para comer ao meio da manhã, e um chocalho, para espantar a pardalada atrevida. Mas fazia-o contrariado, pois, como era multo amigo dos pássaros, doía-lhe o coração ao vê-los a cirandar em volta, a piar, esfaimados. Gostaria, por isso, de os deixar encher o papo à vontade, mas tinha de cumprir as ordens do pai.
Na impossibilidade de lhes permitir matar a fome, falava com eles, como a pedir-lhes desculpa, e eles pareciam compreendê-lo e perdoar-lhe, porque sobrevoavam ao seu redor, às vezes quase a roçar-lhe a cabeça.
Mas, nesta tarefa quotidiana, o que mais lhe custava era não poder assistir e ajudar à missa do seu preceptor. Quando ouvia tocar o sino, sentia uma enorme vontade de largar o chocalho e correr para a igreja. Mas logo desistia, porque a mãe, a quem muitas vezes manifestava o seu desejo, lhe respondia sempre:
- Meu filho, primeiro está a obrigação e só depois a devoção.
Uma manhã de segunda-feira, porém, ao ouvir o sino a tocar para a missa das almas, sentiu um apelo irresistível que lhe pareceu ser a vontade de Deus e ficou perplexo. A quem obedecer? A Deus ou ao pai?
Para obter a resposta a esta pergunta, pôs-se a rezar. E a resposta não tardou, através duma inspiração interior que lhe segredou:
- Frutuoso, porque não fechas os pardais no palheiro?
Radiante com esta ideia luminosa, chamou os pardais, falou com eles como fazia outras vezes, e apontou-lhes a porta do palheiro descolmado. E eles, coitadinhos, obedecendo prontamente ao seu gesto, para lá foram entrando, uns após outros.
Depois de estarem todos lá dentro, despediu-se deles, fechou-lhes a porta, sem se lembrar de que o palheiro não tinha telhado, e foi tranquilamente assistir à missa.
O pai, que já lá estava, ao vê-lo junto do altar a ajudar à missa, ficou surpreendido e irritado com o atrevimento do filho e a pensar no que iria acontecer ao milho, entregue à voracidade dos pardais.
Mas, apesar da sua preocupação, ouviu a missa com alguma impaciência e distracção. Logo que o padre disse o ite missa est, saiu para o adro e esperou à porta da sacristia para ajustar contas com o filho. Ia pagá-las e com língua de palmo. Sim, porque aquilo não era coisa que se fizesse.
Estava ele nestas cogitações, quando o filho saiu e, sem lhe dar tempo de dizer nada, se apressou a tranquilizá-lo:
- Pai, não se aflija por causa do milho, que os pássaros estão bem guardados no nosso palheiro. Venha ver.
O pai, desarmado com aquela saída inesperada, não teve tempo de descarregar a sua irritação. E, levado pela mão do filho, dirigiu-se para a leira, acompanhado pelos vizinhos, que tinham escutado, com um sorriso de descrença, as palavras do miúdo.
Todos reconheciam que Frutuoso era um rapaz sério, incapaz de mentir; mas aquela dos pássaros fechados num palheiro sem telhado só podia ser brincadeira. Apesar disso, foram, como S. Tomé, ver para crer.
E, quando viram o garoto abrir a porta do palheiro e a passarada a esvoaçar, chilreando, em todas as direcções, caíram das nuvens e exclamavam, em voz alta e de mãos erguidas:
- Milagre! Milagre! Sempre era verdade. O Frutuoso é um santo.
Foi este o primeiro “ milagre “ de Frutuoso que lhe mereceu a canonização popular. Mais tarde, sendo já padre e pároco de Constantim, havia de fazer milagres verdadeiros, que lhe deram a canonização da Igreja, não para guardar o milho dos pardais, mas para curar as pessoas da raiva, quando eram mordidas por cães danados.
As suas relíquias conservam-se na igreja paroquial da terra em que nasceu, onde continua a ser invocado como protector contra a doença da raiva, hoje, felizmente, quase extinta.
- Source
- FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis Vila Real, Edição do Autor, 1999 , p.113-115
- Place of collection
- Constantim, VILA REAL, VILA REAL