APL 877 O Pretinho do Cruzeiro

No lugar do Outeiro, em Infesta, existe um cruzeiro que estava dentro de uma Quinta que pertenceu a uma antiga e nobre casa da qual já nada existe. Essa casa chamava-se Casa do Paço.
 A Casa do Paço era uma grande propriedade, trabalhada por muitos caseiros e criadagem. Enquanto uns trabalhavam e amainavam as terras, outros serviam no interior da casa a nobre família. Acontece que um dos membros varões da casa, quando andava por terras de África, se afeiçoou a um menino negro de tal maneira, que, no regresso à metrópole, o trouxe para a Casa do Paço como seu escudeiro.
 Os tempos foram passando e o «pretinho» ganhou a estima de toda a família, ao mesmo tempo que mostrava para com os seus membros uma obediência e respeito que a todos surpreendia. Era ele muito devoto do Senhor do Cruzeiro!
 Mas se a riqueza abundava naquela casa, o mesmo não acontecia com a descendência! Os senhores da casa estavam a ficar cada vez mais velhos, sempre estimados pelo seu serviçal de cor, mas sem filhos que herdassem a fortuna e o título. Chegou o dia em que a última das fidalgas morreu, e o pobre do criado, ainda tão jovem, ficou sozinho no imenso casarão!
 Vendo-se sozinho, não tendo com quem partilhar os seus dias, e como era muito devoto, o «pretinho» saía muitas vezes de casa para rezar junto do dito cruzeiro da Quinta. Ali se ajoelhava, rezando e chorando pelas Senhoras que tanto o estimaram! A sua devoção a todos impressionava, ao ponto de ninguém o importunar no seu recolhimento. Mesmo durante as noites em que os rapazes saíam para as esfolhadas e serões de divertimento, quando tinham de passar junto do cruzeiro, onde estava em oração de joelhos o pobre do rapaz, todos se calavam e paravam qualquer comentário mais desrespeitoso, para não perturbar a oração.
 Mas um dia, pela manhã, quando passaram os primeiros trabalhadores que seguiam para os campos, encontraram o «pretinho» prostrado nos degraus do cruzeiro, já sem vida! Logo a notícia correu por toda a freguesia e arredores, dado que o seu comportamento era sobejamente conhecido nas redondezas. Quando o foram levantar verificaram que o seu corpo estava manchado de sangue sem que se visualizasse qualquer ferimento! Lembraram-se da paixão do senhor, e de como Ele tinha suado sangue no Monte das Oliveiras! A maravilha impressionou tanto as gentes da terra, que a partir daquele dia o criado das fidalgas passou a ser venerado com fama de santidade.

Source
CAMPELO, Álvaro Lendas do Vale do Minho Valenca, Associação de Municípios do Vale do Minho, 2002 , p.139
Place of collection
PAREDES DE COURA, VIANA DO CASTELO
Informant
Alves da Cunha (M),
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography