APL 1918 O Justo Juízo Divinal
Conta-se que dois lavradores andavam desavindos com um pastor porque este tinha o hábito de entrar com o rebanho nas suas propriedades. E tantas chatices tiveram com ele que um dia resolveram mata-lo.
Assim, combinaram os dois irem uma certa noite ao bardo onde o pastor estava a dormir junto do gado para o apanharem sem ele dar conta. Primeiro distraíram os cães atirando-lhes com côdeas de pão, e a seguir aproximaram-se, pé ante pé, da cabana. Contudo, qual não foi o espanto dos dois, quando, ao chegarem junto do pastor, encontraram a cabeça decepada para um lado e o resto do corpo para o outro. Imediatamente fugiram dali dizendo:
— Vamos embora pois o que nos aqui vínhamos fazer já outros o fizeram.
No dia seguinte os dois lavradores juntaram-se para irem saber que se tinha passado afinal com o pastor, e muito admirados ficaram quando o encontraram a pastorear calmamente o seu rebanho. Intrigados perguntaram-lhe:
— Olha lá, que virtude tens tu?
— Nenhuma.
— Nenhuma?! Alguma virtude tens de ter.
— Só se for a de rezar todos os dias o Justo Juízo Divinal.
— Então continua com a tua devoção, que e melhor que a nossa.
E foram-se embora dispostos a não implicar mais com o pastor por lhes passar com o gado nas propriedades. Diz o povo que ele fora encontrado decepado pelos lavradores porque se tinha deixado adormecer quando estava a rezar, ficando com a oração do Justo Juízo Divinal a meio.
- Source
- PARAFITA, Alexandre Antologia de Contos Populares Vol. 1 Lisbon, Plátano Editora, 2001 , p.78
- Year
- 1999
- Place of collection
- Vales, ALFÂNDEGA DA FÉ, BRAGANÇA
- Informant
- Isolina Soeiro (F), 56 y.o., Vales (ALFÂNDEGA DA FÉ),