APL 1365 O Ilhéu do Topo e os bois para o Espírito Santo

Há anos atrás, tal como ainda hoje acontece com muitas pessoas, havia muita fé no Espírito Santo em toda a ilha de S. Jorge. No Topo e em outras freguesias, faziam-se bodos fartos e divertidos. Havia foliões, bodo de leite de manhã e distribuição de sopas e carne a quem aparecesse a partir do meio-dia.
 Num certo ano previa-se que as festas em honra do Divino fossem ainda mais fartas e alegres porque um homem da Vila que costumava fazer a Festa Velha tinha prometido fazer um jantar e dar esmolas de carne e pão por toda a freguesia. Para tal tinha dois bois a engordar no baixo e verdejante Ilhéu do Topo, que fica junto da ponta com o mesmo nome, mas ligeiramente ao norte e separado de terra por distância de umas centenas de metros. O gado tinha ido a nado e assim tinha que vir do ilhéu, apoiado numa corda que homens, num barco, puxavam para cima, para que a cabeça dos animais ficasse fora de água. Juntamente com os bois e vacas estavam no ilhéu, sempre, algumas ovelhas pois, caso contrário, a terra escurecia e não dava erva.
 O mês de Maio já se ia aproximando do fim e tinha trazido consigo o bom tempo, mas, na semana da festa, o vento levantou-se e o mar embraveceu. O mordomo começou a ficar muito preocupado e não sabia o que fazer. Com a maresia, não conseguia sair um batelão para ir ao ilhéu buscar os bois. Consumiu-se muito e, vendo que o tempo não melhorava, na quinta-feira tomou outra resolução: foi comprar dois bois para pagar a sua promessa. Não estava, porém, descansado porque os bois que tinha prometido eram os outros que estavam no ilhéu. Mas o Senhor Espírito Santo era testemunha que não tinha sido por má vontade, nem por ganância que tinha decidido matar outros animais.
 Na sexta-feira, antes do domingo da Festa, o homem, ajudado por muitos vizinhos e amigos, preparou-se para matar os bois comprados. Quando estavam nestes trabalhos, perante o olhar admirado de todos, apareceram os dois bois grandes e gordos que deveriam estar no ilhéu. Tinham-se lançado ao mar e vindo ter à Pontinha, onde hoje é o farol. Todos se perguntavam como aquilo podia ser e ficaram ainda mais admirados quando viram que os bois estavam completamente enxutos como se não tivessem vindo a nado, mas trazidos pelo Espírito Santo.
 Muitos choravam de emoção e o mordomo ficou tão contente que matou também aqueles que tinham sido os bois prometidos e que, no dia aprazado se tinham vindo entregar.
 Naquele ano a coroação e as esmolas foram ainda mais abundantes e todos comentavam, com uma lágrima a escapar pelo canto dos olhos, o caso estranho que tinha acontecido com os bois.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.202-203
Place of collection
Topo (Nossa Senhora Do Rosário), CALHETA DE SÃO JORGE, ILHA DE SÃO JORGE (AÇORES)
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography