APL 1390 O capitão Estrinca e os baleeiros salvos por milagre
Era o final do século dezanove e naquele dia o capitão Estrinca (um dos baleeiros que mais percebia do mar e de baleias no Pico e nos Açores, em todo o tempo de baleação) e os companheiros estavam sem sorte. Os botes tinham seguido atrás de uma baleia e desmanaram-se porque ou não tinham bússola ou estava avariada. Escureceu. O capitão Estrinca e os outros baleeiros, perdidos no negrume, mesmo que fossem homens fortes, sentiram medo, pois sabiam como os botes eram fracos e como o mar era forte. Pediram a Deus que lhes valesse.
Longe, noutra direcção, navegava calmamente um navio estrangeiro, seguindo o rumo traçado para chegar ao seu destino. O piloto que ia ao leme viu o comandante, sem mais nem menos, aparecer à porta e dizer-lhe para navegar em tal direcção, durante umas tantas horas. Embora estranhando, assim fez e continuou viagem.
Ao longo da noite ainda mais duas vezes o piloto mudou de rumo, seguindo as ordens dadas pelo comandante, da porta da casa do leme.
Enquanto isto se passava no navio, o negrume do céu, pouco a pouco, deu lugar a um azul finíssimo, marcado de chispas douradas, anunciando a madrugada de um novo dia.
O capitão Estrinca mais os outros baleeiros, que tinham ficado no mar à deriva durante muito tempo, viram aproximar-se um grande navio. Com os casacos de cotim e os chapéus de palha, começaram a fazer sinal e foram avistados pelos homens do grande barco, que logo se aperceberam que o barquinho estava perdido.
Do navio trataram de ajudar os baleeiros e de os pôr a salvamento. Mas o comandante do navio, vendo-se num sítio tão distante do rumo traçado, questionou o piloto, sobre a razão de se encontrarem naquele lugar. O piloto logo respondeu:
— O meu comandante, por três vezes o senhor veio à porta da casa do leme dar indicações para eu seguir outro rumo.
O comandante admirado respondeu:
— Como pode ter isso acontecido, se eu toda a noite dormi na minha cama e nunca de lá me levantei ?
Os baleeiros da Calheta e o capitão Estrinca foram orientados pelos do navio, voltaram a terra sãos e salvos e acreditaram que tudo tinha sido um milagre.
- Source
- FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.232-233
- Place of collection
- Calheta De Nesquim, LAJES DO PICO, ILHA DO PICO (AÇORES)